QUASE SEMPRE A imprensa e alguns políticos criticam a campanha de candidatos ou políticos evangélicos porque estes estariam “misturando religião e política” e ameaçando a separação entre Igreja e Estado. É verdade que as explicações dos candidatos nem sempre ajudam a esclarecer. Mas não devemos acompanhar a música do laicismo militante que deseja excluir Deus e a religião da praça pública.
Podemos não concordar com as políticas deste ou daquele candidato e até achar que sua conversão foi oportunista, mas não devemos combatê-lo de tal forma a deslegitimar a razão da nossa própria participação política. A política não deve ser meio de fortalecer uma religião em detrimento de outras, mas dizer que a religião em si nada tem a ver com a conduta da política é lógica e historicamente falso. Falar em “abuso” da religião é seguir uma linha errada. A diferença entre “uso” e “abuso” é muito subjetiva. Um dia, o feitiço pode se virar contra o feiticeiro. Devemos, sim, protestar quando se diz que todos os evangélicos estão com tal candidato, mas não devemos atacar os outros por “abusar” da religião na política. Deixemos que cada um se utilize da religião como quiser — é melhor do que criar um ambiente em que ninguém pode falar sobre religião em praça pública.
O Ocidente aprendeu a duras penas, a custo de muito sangue, que religião e política têm de estar separadas, dizem os críticos, e certos candidatos estariam voltando a misturá-las. Em 2002, em resposta à imprensa, o ex-governador Anthony Garotinho declarou que era a favor do Estado secular, e, ao mesmo tempo, disse que não mistura religião com política. Essas duas afirmações não são equivalentes e retratam uma certa confusão. O Estado deve ser não-confessional. Foi justa- mente essa percepção por parte de alguns dos primeiros protes- tantes nos séculos 16 e 17 que deu início à separação entre Igreja e Estado. Com bases teológicas, eles perceberam que a visão cristã do Estado é que o Estado não deve ser “cristão”, no sentido de defender e promover uma determinada igreja ou religião. Este não é o papel de Estado nenhum na dispensação da graça. Entretanto, religião e política podem, sim, ser mis- turadas. Uma pessoa pode ser inspirada por sua fé religiosa a ingressar na política e defender certas propostas. Política confessional, sim; Estado confessional, não.
Isso implica reconhecer, entre outras coisas, que há diferença entre ser um legislador evangélico e ser um governante evangé- lico. Em torno dos candidatos e políticos evangélicos há líderes e membros de igrejas com uma expectativa “messiânica” de que aquele candidato evangélico canalizará automaticamente as bênçãos de Deus sobre o Brasil, resolvendo todos os pro- blemas que nos afligem. Esse messianismo é muito perigoso, para o país e para a Igreja. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, a última parte do homem a se converter não é o bolso, é o fascínio pelo poder.
É verdade que houve um avanço inegável no meio evangélico em relação ao envolvimento e à prática política. Ainda assim, nem sempre é possível recomendar os modelos de atuação política mais visíveis.
A atuação da Igreja Universal exemplifica um modelo possível de atuação política evangélica: o modelo institucional. A Igreja, como instituição, entra na política defendendo as suas propostas, as quais podem ser boas ou não. Muitas vezes, trata- se de mera defesa de seus interesses institucionais. Esse modelo apresenta graves problemas. A Igreja, como instituição, não deve se envolver na política dessa forma, pois, quando o faz, ela e os seus líderes se tornam vulneráveis a todas as contingên- cias do mundo político. Assim, sua fala sobre a Bíblia, a fé e a salvação se contagia dessa mesma contingência. Se eu não pos- so acreditar naquilo que determinado pastor ou determinada igreja falam quando se trata de política, por que vou acreditar quando falam de outros assuntos? Logo, quem sai perdendo com esse modelo é a própria Igreja.
Outro modelo de atuação evangélica na política é o que podemos chamar de modelo autogerado ou auto-impulsionado. Um indivíduo evangélico que constrói uma projeção política, ou que já a possuía antes de se tornar evangélico, atua de maneira autônoma e faz um apelo aos evangélicos para que votem nele. Há muitos deputados estaduais e federais evangélicos que se enquadram nesse modelo. O problema é que muitas vezes o candidato se apresenta como evangélico para fins de obter votos, mas depois de eleito não vê nenhuma necessidade de responder aos evangélicos que o elegeram. E nós ficamos a coçar a cabeça, nos perguntando: “Como é possível um evangélico que parecia tão bom acabar tão mal?” O modelo autogerado também tem graves limitações.
Contra os dois modelos mencionados, a solução é justamente o modelo comunitário. Não é um modelo institucional, corporativo, mas também não é um modelo individual, solto. O modelo comunitário acredita que os evangélicos devem se envolver politicamente não em nome de suas igrejas ou insti- tuições, mas em grupos de pessoas que pensam politicamente de uma mesma forma, inspiradas pela sua compreensão da fé cristã.Trata-sedeumprojetoqueincluiaaberturaparaodiá- logo e para censuras proféticas. Assim, os que exercem manda- tos políticos não ficam soltos, mas interagem e respondem a outras pessoas que podem, se necessário, até mesmo repreendê- los e aconselhar sua saída da política. Embora nenhum modelo ofereça garantias totais, o modelo comunitário de atuação política é o menos arriscado.
A fé cristã é, ao mesmo tempo, utópica e bastante realista. A solução para os problemas políticos é sempre política. A solução para a má política é a boa política, e para a má espiritualidade é a boa espiritualidade. Não precisamos fugir para outro campo, porque o Deus bíblico está em todas as áreas da vida humana.
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