A Reforma Protestante, iniciada no século XVI, foi um movimento cristão de protesto contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma reforma no catolicismo romano. O tradicionalismo da igreja havia superado a autoridade da Palavra de Deus, afetando, inclusive, a questão da justificação.
É importante salientar que a Reforma não foi um movimento de desvio da igreja. Pelo contrário, a Reforma objetivou um retorno ao cristianismo bíblico puro, à Palavra de Deus.
Em 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, Martinho Lutero, antigo monge católico, publicou na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg 95 teses elucidando os abusos e as corrupções ligadas às indulgências (obtenção de perdão de pecados pela confissão e contribuição) da Igreja Católica Romana.
Entretanto, não podemos reduzir a Reforma Protestante a esse ato histórico ocorrido na Alemanha. O movimento reformado foi, aos poucos, se estendendo à Suíça, França, Holanda, Hungria, Escócia, Inglaterra etc.
O Protestantismo conclama pilares e certas proposições teológicas, os famosos Cinco “Solas”: Sola Fide (Somente a Fé), Sola Scriptura (Somente a Escritura), Solus Christus (Somente Cristo) , Sola Gratia (Somente a graça) e Soli Deo Gloria (Somente a Deus a gloria), como veremos a seguir.
Sola Fide (Somente a Fé)
Desse princípio, subtrai-se a afirmação de que o homem é justificado, do início ao fim, única e exclusivamente, pela fé, sem qualquer acréscimo das obras (mérito humano) – já que é um dom (presente) de Deus.
Na cruz, os pecados dos homens foram lançados sobre Cristo, cumprindo, assim, a justiça de Deus. Esse é um ato de graça, por meio do qual Deus perdoa todos os nossos pecados (passados, presentes e futuros) e nos declara como justos diante de si, sendo suficiente a justiça de Cristo a nós imputada e recebida somente pela fé.
Martinho Lutero compreendeu esse princípio ao ser confrontado com a simplicidade e profundidade descritas em Romanos 1: 17 : “O justo viverá pela fé”. Diante da repercussão das 95 teses a Igreja Católica reagiu com um Concílio na cidade de Trento (1546 – 1562). Dentre tantos pontos de rebate à Reforma Protestante, a Igreja Católica Romana claramente condenou o Sola Fide, conforme Canon IX:
“Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, ou seja, que não é necessária nenhuma outra forma de cooperação para que ele obtenha a graça da justificação e que, em nenhum sentido, é necessário que ele faça a preparação e seja eliminado por um movimento de sua própria vontade: seja anátema”.
Para a Igreja Católica, então, os pecadores são justificados pela fé em Cristo e por suas boas obras, e não unicamente pela justiça de Jesus Cristo a eles imputada.
Assim, a justificação do pecador é uma tentativa de “alquimia doutrinária”, misturando-se as obras de Cristo com as do cristão, a fim de tentar produzir a justificação. A teologia reformada, por outro lado, aduz que “nós não temos outra embaixada de paz para encontrar abrigo da justa ira de Deus, a não ser na perfeita justiça e sofrimento de Cristo, e não há outra ponte entre o homem e Cristo, somente a fé” (J. V. Fesko).
Solus Christus (Somente Cristo)
Essa proposição foi uma reação contra a igreja secularizada e contra os sacerdotes que se colocavam numa posição especial para mediar a graça e o perdão de Deus (através dos sacramentos e das indulgências).
A Reforma defendeu que a mediação entre o homem e Deus é feita somente por Jesus Cristo, já que a salvação do pecador é uma obra exclusiva dEle.
Quem Jesus é (Emanuel – Deus conosco) e o que ele fez em sua vida (sem nenhum pecado e sempre obediente ao Pai), sua morte (expiando os pecados dos homens) e ressurreição (oferta aceita pelo Pai), compõem o conteúdo fundamental da Escritura, já que foi Cristo quem nos justificou e nos colocou na posição de filhos diante do Pai.
Sabemos que a fé protestante baseia-se na centralidade de Cristo. Martinho Lutero afirmou que Jesus Cristo é o “centro e a circunferência da Bíblia”. Nesse mesmo sentido, Ulrich Zwingli aduziu que “Cristo é o Cabeça de todos os crentes, os quais são o seu corpo e, sem ele, o corpo está morto”.
É importante asseverar esse ponto, tendo em vista o afastamento e a banalização da centralidade de Cristo – fato que tem levado cristãos, católicos e protestantes, consciente ou inconscientemente, a viverem um evangelho alternativo, antropocêntrico.
Ainda hoje corremos o risco de, nas palavras de H.R. Niebuhr, proclamarmos e adorarmos “um Deus sem ira, que trouxe homens sem pecado para um reino sem julgamento por meio de ministrações de um Cristo sem a cruz”. Ou segundo William Willimon, “incapazes de pregar a Cristo e este crucificado, nós pregamos a humanidade e essa melhorada”. Ora, sem Cristo (o Deus encarnado, o salvador do mundo) não há cristianismo verdadeiro!
Sola Scriptura (Somente a Escritura)
A cosmovisão reformada se funda no fato de que não há verdades concorrentes, mas que existe uma verdade absoluta fundada na Bíblia Sagrada.
Diferente da posição de que tudo é relativo, que cada um tem a sua verdade, que o padrão de conhecimento é a razão, a lógica, as experiências ou o senso subjetivo, o cristão afirma que há apenas uma coisa que pode legitimamente funcionar como padrão supremo: a Palavra de Deus. Não há, portanto, nenhuma autoridade maior que o próprio Deus.
Dentro desse prisma, o princípio do Sola Scriptura afima que a Bíblia Sagrada é a única regra de fé e prática do cristão; é onde se encontram os fundamentos da Teologia Cristã. Não são a tradição, os credos, as revelações humanas, os concílios ou o que autoridades espirituais afirmam. Não! A autoridade dos cristãos e da igreja é a Escritura – inspirada por Deus, inerrante e suficiente.
Ocorre que, ao mesmo tempo em que as autoridades da Igreja Católica Romana concordavam que a Palavra de Deus era o padrão máximo para a vida, eles também acreditavam que a orientação divina poderia ser encontrada em locais fora das Escrituras.
Nas palavras de Michael Kruger, “Roma reivindicou uma estrutura de autoridade de três partes, que incluía a Escritura, a tradição e o Magistério. O componente principal desta estrutura de autoridade era o próprio Magistério, que é o magistério oficial da Igreja Católica Romana, manifestado principalmente no papa. Porque o papa era considerado o sucessor do apóstolo Pedro, seus pronunciamentos oficiais (ex cathedra) eram considerados como as palavras do próprio Deus”.
Para Martinho Lutero, somente a Escritura era o árbitro máximo em que todo cristão deveria acreditar. Tanto que, ao ser convidado a retratar seus ensinamentos, Lutero discursou: “A menos que possa ser refutado e convencido pelo testemunho da Escritura e por claros argumentos (visto que não creio no papa, nem nos concílios; é evidente que todos eles frequentemente erram e se contradizem); estou conquistado pela Santa Escritura citada por mim, minha consciência está cativa à Palavra de Deus. Não posso e não me retratarei, pois é inseguro e perigoso fazer algo contra a consciência…Que Deus me ajude. Amém!”
Sola Gratia (Somente a Graça)
Assim como a Igreja Protestante, a Igreja Católica também acredita que os cristãos são salvos pela graça (favor imerecido) de Deus. Mas apenas os reformados, os protestantes, acreditam que o pecador é salvo somente pela graça de Deus.
O Sola Gratia afirma que não há nada que possamos fazer para obtermos o favor de Deus, já que somos pecadores indignos e não merecedores da bondade do Pai. Nós não temos mérito na nossa salvação, não cooperamos com Deus.
A salvação é um dom, um presente, um favor que não merecemos do Deus Criador. Paulo elucida bem esse fato em Efésios 2:1-9, “Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, nos quais costumavam viver, quando seguiam a presente ordem deste mundo e o príncipe do poder do ar, o espírito que agora está atuando nos que vivem na desobediência. Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos. Deus nos ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus, para mostrar, nas eras que hão de vir, a incomparável riqueza de sua graça, demonstrada em sua bondade para conosco em Cristo Jesus. Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie”.
Pela leitura das palavras de Paulo, notamos que, diferente do que os não-cristãos pensam, nós não somos pessoas essencialmente boas que só precisam de Cristo para aperfeiçoamento ou evolução da nossa natureza. Não somos pessoas doentes que precisam de certas muletas para nos recuperar. Não! Antes da graça de Cristo nas nossas vidas, estávamos mortos, vivendo em pecado. E, assim como um cadáver não tem como reunir forças para sair de seu túmulo, sem Cristo não teríamos como ter vida plena e abundante – por maior força de vontade que tivéssemos!
Podemos então questionar o porquê de Deus nos dar vida e uma nova natureza. Por que à medida que fazemos coisas boas, que evitamos o mal e priorizamos a caridade angariamos fundos e comovemos a Deus? Por que no fundo somos pessoas boas que apenas erram algumas vezes, mas desejam fazer o bem? Nunca! Deus nos deu vida por sua soberana liberalidade, por sua misericórdia e graça.
Por isso é graça. Por isso é favor imerecido. E talvez por isso seja tão difícil aceitar o Evangelho de Cristo. Como assim eu não preciso fazer nada? Como cristãos somos moldados à imagem de Cristo e isso naturalmente nos leva a fazer algumas coisas e deixar de fazer outras. Mas a fim de conquistar o favor de Deus nada podemos fazer.
E, além do mais, isso já foi feito de forma perfeita e aceitável ao Pai através da obra redentora de Jesus Cristo na cruz do calvário, que pagou o preço pela nossa rebelião e nossos pecados. Sim, teve um preço. Um alto preço!
Para o teólogo James Innell Packer, a falta de compreensão da graça se esbarra na falta de entendimento de quatro grandes verdades: a pecaminosidade do homem, o julgamento de Deus, a inaptidão do homem e a liberdade soberana de Deus. É pela graça de que somos salvos, justificados, regenerados, santificados e glorificados. E isso não vem de nós, mas solamente de Deus.
É graça pura, sem mistura!
Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória)
A Igreja Católica Romana ensinava e exigia a devoção ao clero, já que estes poderiam supostamente “mediar o perdão de pecados e a obtenção de benção aos homens”. Ainda hoje podemos notar a reverência e adoração ao Papa (sem entrar no mérito da idolatria aos santos!).
A Reforma surge centralizando a glória, o louvor, somente a Deus. Todos, absolutamente todos os seres criados, são míseros pecadores carecedoras da graça e misericórdia de Deus.
Em Isaías 43:7 o Senhor nos mostra que formou o homem para a Sua glória. Paulo torna prático esse entendimento em Coríntios 10:31, aduzindo que quer comamos, que bebamos, quer façamos qualquer outra coisa, devemos fazer tudo para a glória de Deus – não para nossa própria glória, não para glória de outros, mas somente para glória de Deus!
Ora, a glória de Deus é o objetivo de todas as coisas, tanto que a missão da igreja é declarar essa glória entre as nações e anunciar as suas maravilhas. E como é maravilhoso o fato de Deus nos escolher para anunciar a sua glória e o Evangelho de Cristo! A glória de Deus é a beleza e a grandeza da sua multiforme perfeição, que está além de qualquer comparação na criação – uma glória original e absoluta! Assim, toda grandeza e beleza criadas apontam para o Deus glorioso e majestoso.
Sabe quando você vê um pôr-do-sol maravilhoso? Quando, diante de uma arte bela, você suspira? Quando a natureza, em sua simplicidade, ordem ou majestade, te arrepia? E temos vontade de dobrar os joelhos em veneração, juntar as mãos em gratidão, adorar, venerar, admirar? Então, isso é só um vislumbre da glória do Deus criador de todas coisas!
Deus é grande e, como somos feitos a Sua imagem e semelhança, fomos criados para algo que também é grande. É o que C. S. Lewis conclui ao dizer “que se descobrimos em nós desejos que nada nesta terra pode satisfazer, a única explicação lógica é que fomos feitos para um outro mundo”. Fomos feitos para maior que nós. Fomos feitos para Deus e para a Sua glória!
“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Por que quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém”. (Romanos 11: 33-36).
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