Papel de parede volta de Jesus
"ENTREGA TEU CAMINHO AO SENHOR, CONFIA NELE E O MAIS ELE FARA".
SALMOS 37.5

sábado, 2 de abril de 2016

A violência com nome de religião

                                                No início de Março, divulgou-se na comunicação social uma lista com nomes                                                   de jihadistas do Daesh, provenientes de países ocidentais. Alguns teriam                                                         ascendência portuguesa. Todos viviam em cidades europeias, tendo-se                                                           subitamente convertido ao islão. Num noticiário, o jornalista mostrava-se                                                         perplexo com a decisão de vida destes jovens, que, citando a peça, não pode                                                   conduzir senão a “uma morte sem sentido”.
O fenómeno do “Estado Islâmico” [ISIS] é, indubitavelmente, motivo de perplexidade. Porém, interessa reflectir sobre o que este episódio nos pode sugerir a respeito da violência que se autojustifica com a religião. Em dois milénios de violência dita “religiosa” no mundo ocidental, as linhas de fractura dividiram fiéis de uma e outra religião e, dentro das religiões, as várias interpretações da tradição (ortodoxos e heréticos). O poder estatal foi frequentemente o braço de uma religião ou de uma interpretação da tradição. Este poder abateu-se sobre muçulmanos, judeus, protestantes, católicos heréticos e indígenas. No Ocidente, a modernidade dissolveu estas oposições em mesas redondas ecuménicas, muitas vezes de circunstância, e que nem sempre reflectem as diferenças e desconhecimento entre religiões. Isso mesmo sublinharam vários representantes religiosos num encontro promovido, a 9 de março, pelo Observatório da Religião no espaço Público (Policredos) do Centro de Estudos Sociais (Universidade de Coimbra) na Gulbenkian sobre o tema da violência exercida em nome da religião.
Porém, se em geral as diferenças entre religiões, no Ocidente, não se traduzem hoje em repressão estatal ou em oposições violentas, isto não significa que não tenham surgido novas linhas de divisão, geralmente centradas em problemas internos às religiões, como o sacerdócio das mulheres, no catolicismo, e temas que são classificados como “morais”, pelo menos no universo cristão. É o caso dos direitos LGBT, das discussões em torno de temas como o aborto, a reprodução medicamente assistida e a eutanásia.
É sabido que, actualmente, a extrema-direita na Europa estabelece uma relação unívoca entre violência na religião e islão. Finge-se esquecer que, em países como a Birmânia, a população muçulmana rohingya é vítima de uma perseguição fomentada pelo Estado e alguns monges budistas e que, na Nigéria, há massacres envolvendo cristãos e muçulmanos. Por outro lado, a perseguição a cristãos em países como a Coreia do Norte, a Eritreia, a Síria e o Paquistão; ou a China, que, apesar de formalmente consagrar a liberdade de religião, persegue não só grupos cristãos, mas também os membros do Falun Gong, muçulmanos e budistas tibetanos, é também uma realidade. No Irão e outros países, a fé bahá’í é perseguida; e no Iraque, a comunidade yazidi é vítima do ISIS. Porém, a diversidade de referências religiosas dos países mencionados apela a análises mais complexas no que toca à associação da violência às diferentes religiões e impõe a necessidade de superar visões que estabelecem um corte entre a identidade religiosa e a realidade política.
Na década de 2000, as militâncias ateias em países como a Grã-Bretanha e os Estado Unidos acentuaram a fractura, esta tipicamente moderna, entre religiosos e ateus militantes. Para estes ateus, qualquer religião, mesmo vivida no plano pessoal, fere a racionalidade científica, é mistificadora e contrária ao progresso social. Ora, esta problemática não se confunde com uma quarta fractura, que percorre as paisagens políticas tocadas pela secularização (recuo do religioso para a esfera privada e separação formal entre Estado e Igrejas). Com efeito, as vagas migratórias dos últimos anos reacenderam os debates sobre a identidade europeia e nacional, em que se debatem modelos de laicidade, mais ou menos universalistas ou multiculturalistas. O caso francês é, a este respeito, exemplar. Da direita à esquerda, nenhum interveniente político dispensa, em França, a repetição do mantra da fidelidade à República laica.
As atrocidades recentes cometidas pelos que se dizem jihadistas combatendo pelo ISIS ou pela Al-Qaeda, em nome de Alá, na Europa, África, América e Ásia, e de que muitos muçulmanos são vítima, vêm acrescentar a estas quatro linhas de fractura — entre fiéis de religiões diferentes, entre intérpretes da mesma religião, entre religiosos e ateus, e entre defensores de diferentes modelos de laicidade — uma nova oposição. Trata-se, neste caso, de um diferendo sobre a presença da religião nesta violência, envolvendo diversas interpretações de religião. Integrando-se na análise das causas destes actos, tais interpretações influem nas estratégias que os visam conter e combate

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