É quase inacreditável que um homem como Davi, a quem se atribui a autoria de 73 dos 150 salmos e que possuía certos traços de caráter muito especiais (1 Sm 24.6; 26.8-11; 2 Sm 23.13-17; 1 Cr 21.18-27), tenha descido tanto e cometido pecados tão grosseiros depois de uma carreira acentuadamente bem-sucedida e depois de conquistar a admiração de todo o povo.
Os pecados desse “mavioso salmista de Israel” (2 Sm 23.1) não foram banais.
DAVI COMETEU ADULTÉRIO COM BATE-SEBA, cujo esposo não era judeu, mas teria abraçado o judaísmo. Nessa ocasião, Urias, o heteu, mencionado como um dos trinta e sete valentes de Davi (2 Sm 23.39), achava-se ausente do lar por estar a serviço do exército de Israel no assédio à Rabá (2 Sm 11.1).
O SEGUNDO GRANDE PECADO DE DAVI FOI O ASSASSINATO DE URIAS, “com a espada dos filhos de Amom” (2 Sm 12.9). Ele matou um homem virtuoso, que não aceitava privilégios se outros estivessem privados deles (2 Sm 11.6-13). Curiosamente, neste sentido, Urias era muito parecido com o rei — Davi também não quis beber a água do poço de Belém porque ela quase custou a vida de seus amigos (2 Sm 23.13-17).
O TERCEIRO GRANDE PECADO DE DAVI FOI A CONEXÃO DOS DOIS PRIMEIROS PECADOS COM A HIPOCRISIA. Ele não estava interessado no bem-estar de Urias quando mandou buscá-lo na frente da batalha e trazê-lo para Jerusalém. O rei queria apenas que ele se deitasse com a mulher para que a gravidez dela fosse atribuída ao esposo. O presente que Davi lhe deu era um instrumento para beneficiar o rei, e não o valente oficial do exército.
Mais grave ainda foi a encenação de Joabe e de Davi para justificar a morte de Urias perante a opinião pública. Foi um caso de extrema corrupção, da qual Bate-Seba não parece estar isenta (2 Sm 11.6-27).
Ora, depois de tanta miséria, o autor do salmo que descreve a onisciência e a onipotência de Deus (Sl 139) ficou em pandarecos (Sl 6.2-3), sob o peso esmagador da mão de Deus (Sl 32.4) e dentro de um tremedal de lama (Sl 40.2). Ele gastou pelo menos nove meses para reconhecer e confessar tudo de errado que havia feito (2 Sm 12.13, 14; Sl 32.5).
Suplicou a misericórdia de Deus na forma de perdão para o pecado (Sl 6.1-7) e na forma de purificação para a injustiça (Sl 51.1-12).
Aceitou a morte da criança, o incesto de Amnom, as trapalhadas de Absalão, a provocação de Simei, a maldade de Aitofel, a morte de Absalão e a sedição de Seba — como conseqüências diretas ou indiretas de seu mau exemplo (2 Sm 12.10-12).
O processo de restauração tinha de incluir todos esses acontecimentos e demorou mais de dez anos. Ao cabo de tudo, Davi recuperou o prestígio, a autoridade, o trono, a comunhão com Deus, a delicadeza de seu caráter, as bênçãos de Deus e a experiência de que “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5.20).
É ele mesmo quem conta: “De todos os meus filhos, porque muitos filhos me deu o Senhor, escolheu ele a Salomão para se assentar no trono do reino do Senhor, sobre Israel” (1 Cr 28.5).
Ora, esse Salomão era filho “da que fora mulher de Urias”(Mt 1.6). Criado pelo profeta Natã (2 Sm 12.25), o mesmo que acusou Davi de adultério, Salomão foi também escolhido por Deus para edificar o Templo do Senhor em Jerusalém (1 Cr 28.6).
O ponto mais alto da graça de Deus, porém, está na presença de Davi e Bate-Seba na árvore genealógica de Jesus Cristo, ao lado da virtuosa Maria e de algumas mulheres (Tamar, Raabe e Rute), que jamais estariam ali se não fosse a maravilhosa e soberana graça de Deus (Mt 1.1-17).
A Bíblia registra também que Davi “morreu em ditosa velhice, cheio de dias, riquezas e glória” (1 Cr 29.28). Talvez este seja o mais extraordinário exemplo de restauração de toda a Escritura!
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