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SALMOS 37.5

domingo, 29 de outubro de 2017

Mais de 350 mil capixabas vivem sem religião no Estado

Foto: Carlos Alberto Silva










Ludovico, Hereny, Wagner. Perfis, trajetórias e histórias diferentes, mas com algumas particularidades que os colocam num mesmo grupo: o fato de se declararem sem religião, acreditando ou não na existência de alguma divindade.
Numa região predominantemente cristã e capaz de exportar expressões religiosas originalmente capixabas, como a Igreja Maranata, o Estado de pouco mais de quatro milhões de pessoas abriga 355.606 moradores que se declaram sem religião, 7.476 ateus e 1.386 agnósticos. E esses números certamente são maiores, pois são do Censo do IBGE de 2010.
Vamos às definições? Ateus não creem na existência de um deus. Agnósticos admitem a possibilidade de sua existência, mas que não somos capazes de saber isso com certeza. Sem querer complicar, mas lá vai mais uma informação: há os agnósticos teístas e ateístas. O teísta acredita em um deus, mas reconhece que não tem como comprovar sua existência. O ateísta não acredita, mas admite que não há como comprovar sua não existência.
No contexto desses dados está uma palavrinha importante: liberdade. “Expressar ou não uma religião é próprio de como a sociedade está organizada hoje. A sociedade de hoje mais livre permite uma ‘arreligião’. Então há grupos que vão expressar sua fé sem institucionalizá-la”, explica o psicólogo Diemerson Saquetto, doutor em Psicologia e em Identidade Religiosa e presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-16).
Quanto ao povo que tenta me converter, para mim, é um carinho querer compartilhar comigo um lance que ele acredita que faz bem
Ludovico Monjardim, agnóstico
Se as coisas ainda funcionassem como antigamente, o cozinheiro Ludovico Monjardim, 45 anos, a universitária Hereny Altoé, 22, e o professor e doutor em Educação Wagner Caldas, 47, seriam religiosíssimos hoje.
Ludovico é filho de ex-padre, que deixou a batina por amor, e de uma mulher igualmente religiosa. “Estudei em escola de freiras e de padres. Tive formação católica, mas não praticante. Era questionador. Principalmente com meu pai, que me dava liberdade para isso”, conta Ludovico, que se declara agnóstico teísta.
“A base da minha família é católica. Mas minha mãe começou a frequentar o espiritismo na década de 80. Depois fui levado por um tio para a igreja protestante. Tenho um enorme respeito por essas religiões, quando cumprem o papel de trazer paz espiritual e alento”, relata Wagner, hoje ateu.
“Cresci em família católica, religiosa. Frequentei pelo meu pai e minha mãe. Era meio que uma obrigação. Depois fui vendo que não precisava ir”, relata a jovem Hereny, agnóstica.
A antropóloga Lídice Meyer traça um perfil. “A maioria vem de família muito religiosa. O jovem é muito questionador. E do século XX ao XXI, há diversos questionamentos à Igreja: decepção com as lideranças religiosas, percepção de que poderiam fazer mais do que já fazem pela sociedade… Aí gera um afastamento progressivo”, avalia Lídice, que é também professora de Teologia e Ciência da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Em comum, Ludovico, Hereny e Wagner relatam uma maior ou menor pressão para aderir a alguma expressão religiosa. “Vira e mexe o povo tenta me converter. Minha mãe quer que eu vá à igreja, minha irmã virou espírita recentemente e me dá livros sobre, amigos recém-convertidos querem que eu conheça a igreja deles”, diz Ludovico.
Hereny também relata as tentativas e reconhece o incômodo. “Minha mãe já entende, mas alguns parentes dizem ‘você tem certeza?’.”
Esse, porém, não é o caso de Ludovico. “Meu pai era gente boa. Professor da Ufes, PhD e tudo mais. Católico fervoroso, vocacionado e ‘cabeção’ (inteligente). Aí foi tudo muito tranquilo quanto à religião. Quanto ao povo que tenta me converter, não me sinto ofendido. Para mim é um carinho a pessoa querer compartilhar comigo um lance que ela acredita que faz bem.”
HISTÓRICO

355.606

É o número de capixabas que se consideram sem religião
“Até o século XX, era uma coisa mais social do que uma coisa própria. Nascia e crescia dentro de uma religião. Com o crescimento das religiões, há mais trânsito religioso”, afirma Lídice.
Os profissionais citam um senso comum associado à religião (ou à falta dela): a de que, quanto maior for o nível de instrução e econômico de uma pessoa, menor será a ligação dela com algum segmento religioso. “A religião está muito mais ligada a histórico familiar, social, às pessoas que te cercam”, diz o psicólogo.
“O Censo de 2010 mostrou que o fator econômico não influencia muito. A maioria recebe entre um e dois salários mínimos”, completa a antropóloga.
No final das contas, o recado que fica do trio é de que é possível cultivar valores como amor e respeito ao próximo e caridade. E que nem sempre é preciso ser religioso (ou acreditar em um Deus) para exercer tudo isso.
Foto: Bernardo Coutinho
“A intolerância persiste, mas vai mudando de foco”
Num contexto maior de liberdade, as pessoas estão mais à vontade para mudar de religião ou declarar não seguir nenhuma, mas isso não significa necessariamente uma população mais respeitosa e tolerante.
“Intolerância religiosa sempre existiu. A intolerância persiste, mas vai mudando de foco e de lugar”, afirma Diemerson Saquetto, doutor em Psicologia e em Identidade Religiosa e presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-16).
Ele afirma que o foco hoje está na relação das religiões majoritárias com as religiões minoritárias e com as minorias. “É só a gente pensar em minorias religiosas e como são tratados os afroconfessionais, ateus e sem religião”, completa o psicólogo.
Há casos que ficaram notórios. Um dos mais recentes é o de uma mãe de santo que foi obrigada a destruir imagens e peças de matriz africana dentro de um terreiro. O caso ocorreu em setembro, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. A situação foi toda filmada e divulgada pelos agressores, que seriam traficantes, segundo apuração da polícia.
Sobre o tratamento dado a minorias, não necessariamente religiosas, ele cita como exemplo a exigência de algumas religiões de que o potencial adepto não seja homoafetivo.
DIFERENTE
Uma das explicações para tamanha intolerância seria a diferença. “Com o grupo da sua igreja, você tende a ser mais tolerante. É quase senso comum. Quanto mais diferente, maior o nível de intolerância. É o que a gente tem visto na guerra dos evangélicos com os afroconfessionais. É uma intolerância ao diferente”, afirma o presidente Saquetto.
“É uma questão de doutrinação mesmo. Monoteísmo versus politeísmo. Usando um neologismo, há uma ‘biblificação’, em que o que está fora dos critérios colocados pelo cristianismo é negado”, completa o psicólogo.
A antropóloga Lídice Meyer não crê, porém, que as pessoas estejam mais intolerantes. “A intolerância não acabou por completo, mas já se aceita a sociedade de pessoas de religião diferente”, exemplifica. E completa: “A intolerância é do ser humano. Mas a intolerância religiosa não é generalizada”.
Hereny Altoé, 22 anos, é universitária e não é adepta a nenhuma religião
Hereny Altoé, 22 anos, é universitária e não é adepta a nenhuma religião
Foto: Marcelo Prest
DEPOIMENTOS
“Hoje oro com minhas palavras”
“Acredito em um deus, mas não em instituição religiosa. Comecei a pesquisar vários temas em relação a várias religiões. Queria entender as diferenças, entender o contexto histórico delas. Cresci na Igreja Católica, era meio que uma obrigação. Fui até a Crisma e então saí. Via muita hipocrisia, com as pessoas fazendo o oposto do que pregam. Nunca me senti bem numa instituição religiosa. Acredito em Deus, mas não em instituição religiosa. A igreja faz bem para a minha mãe, mas não faz bem para mim. Quando eu era criança, não entendia por que tinha que rezar o Pai-Nosso, sendo que eu não entendia o significado. Hoje oro com minhas próprias palavras, peço do meu jeito. Tentam me convencer sempre (a adotar uma religião), todo dia. Principalmente dentro da minha família. Alguns parentes perguntam: ‘Você tem certeza?’, ‘Já conversou com a sua mãe sobre isso?’, ‘Por que você não tenta outra?’”
– Hereny Altoé, 22 anos, universitária
“Acho que tenho que ser respeitado”
“Sempre fui curioso e religioso. Acho que minha veia acadêmica passa por aí. Fui descobrindo coisas do tipo que a Bíblia não é o livro original. A partir daí, plantou-se a semente da dúvida. Tentei sufocar essa semente, não queria duvidar. Eu me via em pecado ao questionar as coisas que eu estava acreditando. Foram 10 anos nessa dicotomia, me forçando a acreditar. Lá para os 30 anos consegui superar o medo. Mas só vim a me revelar como ateu aos 37 anos. O preconceito não me incomoda, mas me incomodava há 10 anos. Tenho dois filhos, uma de 18 e um de 15. Não imponho nada. É uma filosofia que eu sigo e ponto. O ateísmo não cobra que você tenha que pregar o ateísmo. Acho que tenho que ser respeitado na minha crença.”
– Wagner Caldas

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