Autor de "Zelota — A vida e a época de Jesus de Nazaré" e "Deus — Uma história humana", o cientista da religião Reza Aslan defende o panteísmo como uma “espiritualidade para um mundo novo e globalizado.
1. Em seu livro Deus — Uma história humana, o senhor argumenta que desumanizar Deus, despojá-lo de características humanas, é a única maneira de experimentar verdadeiramente o divino. Por quê?
Ao longo da história humana, quase todas as culturas e religiões enxergaram o divino como um reflexo de nós mesmos. Enxertamos em Deus nossas próprias emoções e personalidades, nossas virtudes e nossos vícios, até nossos corpos. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pediu a várias pessoas que descrevessem Deus: brancos imaginavam um Deus branco e negros imaginavam um Deus negro; progressistas imaginavam um Deus com traços femininos e conservadores imaginavam um Deus másculo. Todos descreviam a si mesmos. É assim que nosso cérebro funciona. Atribuímos características humanas a Deus para conseguir entendê-lo e nos relacionarmos com ele. A consequência negativa e óbvia disso é que também atribuímos a Deus todos os nossos defeitos, preconceitos e intolerâncias. É por isso que as religiões podem ser maravilhosas, inspirar amor e compaixão e refletir o que há de bom na natureza humana. Mas, com frequência, a religião também reflete o que há de pior na natureza humana: violência, misoginia, intolerância. Não dá para ter a parte boa sem a parte ruim. Por isso, defendo que façamos um esforço consciente para despojar Deus desses atributos humanos. O resultado desse esforço será uma vida espiritual mais profunda, pacífica e plural.
Ao longo da história humana, quase todas as culturas e religiões enxergaram o divino como um reflexo de nós mesmos. Enxertamos em Deus nossas próprias emoções e personalidades, nossas virtudes e nossos vícios, até nossos corpos. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pediu a várias pessoas que descrevessem Deus: brancos imaginavam um Deus branco e negros imaginavam um Deus negro; progressistas imaginavam um Deus com traços femininos e conservadores imaginavam um Deus másculo. Todos descreviam a si mesmos. É assim que nosso cérebro funciona. Atribuímos características humanas a Deus para conseguir entendê-lo e nos relacionarmos com ele. A consequência negativa e óbvia disso é que também atribuímos a Deus todos os nossos defeitos, preconceitos e intolerâncias. É por isso que as religiões podem ser maravilhosas, inspirar amor e compaixão e refletir o que há de bom na natureza humana. Mas, com frequência, a religião também reflete o que há de pior na natureza humana: violência, misoginia, intolerância. Não dá para ter a parte boa sem a parte ruim. Por isso, defendo que façamos um esforço consciente para despojar Deus desses atributos humanos. O resultado desse esforço será uma vida espiritual mais profunda, pacífica e plural.
2. Ao desumanizar Deus e despojá-lo de atributos sobrenaturais como sua imensa bondade, sua misericórdia e seu poder, não abrimos mão de tudo aquilo de que gostamos nele?
Tudo isso que você descreveu são atributos humanos. Misericórdia, compaixão e amor são atributos humanos. Não são sobrenaturais. Criar um Deus que vê, age e ama do mesmo modo que nós vemos, agimos e amamos é um impulso natural. É por isso que o cristianismo é uma religião tão bem-sucedida. Toda religião atribui qualidades humanas a Deus, mas o cristianismo simplesmente diz que, se você quer saber como Deus é, é só imaginar um ser humano perfeito. É uma espiritualidade fácil e que cria intimidade, mas há limites. É mais satisfatório conceber um Deus que está além das questões humanas, um Deus que não é uma personalidade divina, mas uma força criativa fundamental no Universo.
Tudo isso que você descreveu são atributos humanos. Misericórdia, compaixão e amor são atributos humanos. Não são sobrenaturais. Criar um Deus que vê, age e ama do mesmo modo que nós vemos, agimos e amamos é um impulso natural. É por isso que o cristianismo é uma religião tão bem-sucedida. Toda religião atribui qualidades humanas a Deus, mas o cristianismo simplesmente diz que, se você quer saber como Deus é, é só imaginar um ser humano perfeito. É uma espiritualidade fácil e que cria intimidade, mas há limites. É mais satisfatório conceber um Deus que está além das questões humanas, um Deus que não é uma personalidade divina, mas uma força criativa fundamental no Universo.
3. No livro, o senhor argumenta em favor do panteísmo, que afirma que Deus não é um ser sobrenatural, mas tudo e todas as coisas que existem. O panteísmo é uma religião?
Religiões são instituições criadas por homens. Envolvem estruturas de comando e hierarquias. O panteísmo é uma posição espiritual, uma perspectiva. É possível ser um budista panteísta, um cristão panteísta ou até mesmo um ateu panteísta. Uma perspectiva panteísta nos ajuda a entender nosso lugar no Universo, nossa relação com Deus e a relação de Deus com a humanidade.
Religiões são instituições criadas por homens. Envolvem estruturas de comando e hierarquias. O panteísmo é uma posição espiritual, uma perspectiva. É possível ser um budista panteísta, um cristão panteísta ou até mesmo um ateu panteísta. Uma perspectiva panteísta nos ajuda a entender nosso lugar no Universo, nossa relação com Deus e a relação de Deus com a humanidade.
4. O senhor afirma que encontrou o panteísmo por meio do islamismo sufista. Como pessoas de outras tradições religiosas podem abraçar o panteísmo?
O panteísmo é um impulso religioso universal. Está presente no judaísmo, por exemplo. Na cabala (misticismo judaico) há a concepção do “hálito de Deus”, a noção de que Deus existe em todas as coisas. O panteísmo também está presente no pensamento de alguns místicos cristãos. Em religiões orientais, como o taoismo e o hinduísmo, há a ideia de que Deus não é uma pessoa, mas a totalidade do Universo. O panteísmo aparece até na filosofia. (O filósofo judeu holandês Baruch de) Espinosa argumentava que Deus é a única “substância” e que toda a criação são “modos” de Deus. Até na ciência moderna há a crença de que a matéria e a energia que existem hoje sempre existiram e sempre existirão. É nisso que os panteístas acreditam, que tudo o que existe é uma única substância. Nós chamamos a essa substância de Deus.
O panteísmo é um impulso religioso universal. Está presente no judaísmo, por exemplo. Na cabala (misticismo judaico) há a concepção do “hálito de Deus”, a noção de que Deus existe em todas as coisas. O panteísmo também está presente no pensamento de alguns místicos cristãos. Em religiões orientais, como o taoismo e o hinduísmo, há a ideia de que Deus não é uma pessoa, mas a totalidade do Universo. O panteísmo aparece até na filosofia. (O filósofo judeu holandês Baruch de) Espinosa argumentava que Deus é a única “substância” e que toda a criação são “modos” de Deus. Até na ciência moderna há a crença de que a matéria e a energia que existem hoje sempre existiram e sempre existirão. É nisso que os panteístas acreditam, que tudo o que existe é uma única substância. Nós chamamos a essa substância de Deus.
5. Como as pessoas podem se relacionar com um Deus que é a totalidade? Devemos orar? Devemos louvá-lo? O que fazer com os textos sagrados?
É por isso que o panteísmo, embora exista em todas as religiões e tenha sido a primeira forma de espiritualidade humana, nunca foi muito popular. As pessoas se perguntam: “Se Deus é a totalidade, por que ir à igreja? Por que orar?”. Um panteísta responde que não são essas práticas que mudam quando se entende que Deus é a totalidade, é nossa mentalidade que muda. Eu, por exemplo, às vezes vou à igreja com minha esposa e às vezes vou à mesquita. Os templos e as hierarquias não importam. O que importa é o espírito incorporado no grupo de pessoas que, juntas, concentram sua devoção ao divino. Eu oro o tempo todo. Eu não oro para que meu time ganhe ou pedindo coisas. Orar é refletir sobre mim mesmo e meu lugar no Universo. Todo o meu dia é uma oração. Eu vejo Deus em tudo e em todos. Ser um crente devoto é se devotar a todas as coisas — porque elas são Deus. Para muitos, a religião promove uma espiritualidade fácil: não precisam pensar, porque pensam por elas e lhes dizem o que fazer. Para mim, isso é ser uma criança espiritual. A maioria de nós somos crianças espirituais. Devemos crescer, aprender a ser adultos e reconhecer que não precisamos das aparências, mas daquilo que está além delas.
É por isso que o panteísmo, embora exista em todas as religiões e tenha sido a primeira forma de espiritualidade humana, nunca foi muito popular. As pessoas se perguntam: “Se Deus é a totalidade, por que ir à igreja? Por que orar?”. Um panteísta responde que não são essas práticas que mudam quando se entende que Deus é a totalidade, é nossa mentalidade que muda. Eu, por exemplo, às vezes vou à igreja com minha esposa e às vezes vou à mesquita. Os templos e as hierarquias não importam. O que importa é o espírito incorporado no grupo de pessoas que, juntas, concentram sua devoção ao divino. Eu oro o tempo todo. Eu não oro para que meu time ganhe ou pedindo coisas. Orar é refletir sobre mim mesmo e meu lugar no Universo. Todo o meu dia é uma oração. Eu vejo Deus em tudo e em todos. Ser um crente devoto é se devotar a todas as coisas — porque elas são Deus. Para muitos, a religião promove uma espiritualidade fácil: não precisam pensar, porque pensam por elas e lhes dizem o que fazer. Para mim, isso é ser uma criança espiritual. A maioria de nós somos crianças espirituais. Devemos crescer, aprender a ser adultos e reconhecer que não precisamos das aparências, mas daquilo que está além delas.
6. As religiões propõem códigos éticos e morais. O panteísmo tem uma ética a nos oferecer?
A religião é tão boa em fomentar a moralidade como a imoralidade. A Torá diz: “Ama teu próximo como a ti mesmo”. Mas também manda escravizar todos os incrédulos, sejam eles homens, mulheres ou crianças. Jesus mandou oferecer a outra face, mas também disse: “Não vim trazer paz, mas espada”. O Corão diz que aquele que mata um indivíduo mata toda a humanidade, mas também manda matar todos os idólatras que você encontrar. As religiões têm muitas sugestões imorais. Podem ser usadas para o bem ou para o mal, promover a compaixão ou a violência. Se alguém age corretamente porque espera uma recompensa ou teme a punição divina, como uma criança que se comporta bem para ganhar um pirulito, qual o sentido? Um panteísta não se comporta como uma criança. Eu tento agir corretamente porque quero refletir o divino que há em mim. É daí que deriva a ética de um panteísta. Eu entendo que há quem prefira ganhar um pirulito, mas eu defendo que cresçamos e deixemos de ser crianças espirituais.
A religião é tão boa em fomentar a moralidade como a imoralidade. A Torá diz: “Ama teu próximo como a ti mesmo”. Mas também manda escravizar todos os incrédulos, sejam eles homens, mulheres ou crianças. Jesus mandou oferecer a outra face, mas também disse: “Não vim trazer paz, mas espada”. O Corão diz que aquele que mata um indivíduo mata toda a humanidade, mas também manda matar todos os idólatras que você encontrar. As religiões têm muitas sugestões imorais. Podem ser usadas para o bem ou para o mal, promover a compaixão ou a violência. Se alguém age corretamente porque espera uma recompensa ou teme a punição divina, como uma criança que se comporta bem para ganhar um pirulito, qual o sentido? Um panteísta não se comporta como uma criança. Eu tento agir corretamente porque quero refletir o divino que há em mim. É daí que deriva a ética de um panteísta. Eu entendo que há quem prefira ganhar um pirulito, mas eu defendo que cresçamos e deixemos de ser crianças espirituais.
7. A religião está na origem de vários conflitos políticos. Esse Deus com atributos humanos às vezes parece ter opiniões políticas fortes. Quais as implicações políticas do panteísmo e da crença em um Deus desumanizado?
Religião e política são fenômenos parecidos. Religião é uma forma de identidade e afeta todos os aspectos de nossa vida: nossa visão de mundo, nossas opiniões políticas, como pensamos a economia e a sociedade. Não dá para separar política e religião, como defendem os progressistas, porque as pessoas votam influenciadas por princípios morais baseados na religião. Nos Estados Unidos, nacionalistas brancos e pouco educados, que se consideram seguidores da Bíblia, acreditam que devemos ser um país branco. Por isso temos um presidente racista. Eles fundiram identidade religiosa e identidade política, criando uma bagunça tóxica. Um panteísta diz que todos são Deus, não importa a cor da pele, se você é conservador ou progressista, você é um ser divino. Isso permite uma separação maior entre política e religião.
Religião e política são fenômenos parecidos. Religião é uma forma de identidade e afeta todos os aspectos de nossa vida: nossa visão de mundo, nossas opiniões políticas, como pensamos a economia e a sociedade. Não dá para separar política e religião, como defendem os progressistas, porque as pessoas votam influenciadas por princípios morais baseados na religião. Nos Estados Unidos, nacionalistas brancos e pouco educados, que se consideram seguidores da Bíblia, acreditam que devemos ser um país branco. Por isso temos um presidente racista. Eles fundiram identidade religiosa e identidade política, criando uma bagunça tóxica. Um panteísta diz que todos são Deus, não importa a cor da pele, se você é conservador ou progressista, você é um ser divino. Isso permite uma separação maior entre política e religião.
8. Se a religião fornece uma identidade, que tipo de identidade é fornecida pelo panteísmo?
Identidade é como nós definimos a nós mesmos. E nós sempre nos definimos em oposição a um outro: eu sou católico, não protestante; eu sou cristão, não muçulmano; eu sou branco, não negro. O panteísmo é uma nova espiritualidade para um mundo novo e globalizado, porque os panteístas se recusam a se definir em oposição a algo ou alguém. Se sou a mesma coisa que você e que esta mesa aqui na minha frente, o indivíduo perde toda a importância e eu ganho uma identidade global. Eu sou um com todas as coisas. No século XXI, vivemos uma tensão entre os globalistas, que dizem que somos todos iguais independentemente de nossa nacionalidade, e a reação fascista observada nos Estados Unidos e na Europa, onde as pessoas se aferram a sua nacionalidade. A religião segue uma lógica parecida com a lógica nacionalista. Se a religião é nacionalista, o panteísmo é globalista.
Identidade é como nós definimos a nós mesmos. E nós sempre nos definimos em oposição a um outro: eu sou católico, não protestante; eu sou cristão, não muçulmano; eu sou branco, não negro. O panteísmo é uma nova espiritualidade para um mundo novo e globalizado, porque os panteístas se recusam a se definir em oposição a algo ou alguém. Se sou a mesma coisa que você e que esta mesa aqui na minha frente, o indivíduo perde toda a importância e eu ganho uma identidade global. Eu sou um com todas as coisas. No século XXI, vivemos uma tensão entre os globalistas, que dizem que somos todos iguais independentemente de nossa nacionalidade, e a reação fascista observada nos Estados Unidos e na Europa, onde as pessoas se aferram a sua nacionalidade. A religião segue uma lógica parecida com a lógica nacionalista. Se a religião é nacionalista, o panteísmo é globalista.
9. O senhor anunciou no Facebook que está fazendo uma viagem ao redor do mundo com sua família para expor seus filhos a práticas, crenças e culturas religiosas as mais diversas. Qual o objetivo dessa viagem?
Minha mulher e eu queremos que nossos filhos cresçam espiritualmente conscientes. Não nos importamos com a linguagem que eles vão usar para expressar sua espiritualidade. Não faz diferença se for uma linguagem cristã, muçulmana ou budista. Acreditamos que, se forem expostas a diferentes crenças e visões de mundo, as crianças podem desenvolver um espírito panteísta, entender que a fé que têm é expressa de centenas de maneiras diferentes. Quanto mais aprenderem sobre essas diferenças, mais vão reconhecer que a fé é real. A maioria das pessoas acredita que as crianças devem ser criadas numa única religião específica. Mas, quando crianças criadas assim crescem, elas começam a achar que religião é besteira e deixam de acreditar em Deus. Elas abandonam a fé porque não sabem a diferença entre Deus e a religião em que foram criadas. Ou então desenvolvem não uma relação com Deus, mas com a religião de seus pais. Quando lhes perguntam “No que você acredita?”, respondem coisas como “Eu acredito no cristianismo”. Mas o cristianismo é apenas uma linguagem para expressar algo mais profundo! Não queremos nenhuma dessas opções para nossos filhos. Por isso, decidimos fazer um experimento: estamos vendo se é possível expô-los a várias religiões e mostrar a eles como a fé é universal, para que, quando eles estiverem prontos, possam escolher uma dessas linguagens. Queremos que eles tenham uma espiritualidade ampla, e não limitada pela religião.
Minha mulher e eu queremos que nossos filhos cresçam espiritualmente conscientes. Não nos importamos com a linguagem que eles vão usar para expressar sua espiritualidade. Não faz diferença se for uma linguagem cristã, muçulmana ou budista. Acreditamos que, se forem expostas a diferentes crenças e visões de mundo, as crianças podem desenvolver um espírito panteísta, entender que a fé que têm é expressa de centenas de maneiras diferentes. Quanto mais aprenderem sobre essas diferenças, mais vão reconhecer que a fé é real. A maioria das pessoas acredita que as crianças devem ser criadas numa única religião específica. Mas, quando crianças criadas assim crescem, elas começam a achar que religião é besteira e deixam de acreditar em Deus. Elas abandonam a fé porque não sabem a diferença entre Deus e a religião em que foram criadas. Ou então desenvolvem não uma relação com Deus, mas com a religião de seus pais. Quando lhes perguntam “No que você acredita?”, respondem coisas como “Eu acredito no cristianismo”. Mas o cristianismo é apenas uma linguagem para expressar algo mais profundo! Não queremos nenhuma dessas opções para nossos filhos. Por isso, decidimos fazer um experimento: estamos vendo se é possível expô-los a várias religiões e mostrar a eles como a fé é universal, para que, quando eles estiverem prontos, possam escolher uma dessas linguagens. Queremos que eles tenham uma espiritualidade ampla, e não limitada pela religião.
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