Toda a vida cristã precisa ser entendida nos termos dessa adoção. A filiação deve ser a ideia determinante, talvez a categoria normativa em todos os sentidos. Isto resulta da natureza do caso e é admiravelmente confirmado pelo fato de todos os ensinamentos de Jesus sobre o discipulado cristão serem expressos nesses termos.
É claro que, como Jesus sempre pensou em si mesmo como Filho de Deus em sentido único, ele também pensava em seus seguidores como filhos de seu Pai celestial, membros da mesma família que ele. No início de seu ministério ouvimo-lo dizer: “Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3.35).
Dois evangelistas registram como ele, depois da ressurreição, chamou seus discípulos de seus irmãos: “As mulheres saíram [...] foram correndo anunciá-lo aos discípulos [...] De repente, Jesus as encontrou [...] Então Jesus lhes disse: ‘Não tenham medo. Vão dizer a meus irmãos que se dirijam para a Galileia; lá eles me verão’” (Mt 28.8,9,10). “Vá, porém, a meus irmãos e diga-lhes: Estou voltando para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês. Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos [...] E contou o que lhe dissera” (Jo 20:17,18).
O escritor aos Hebreus nos assegura que o Senhor Jesus considera irmãos aqueles por quem morreu e que foram feitos seus discípulos. “Ele diz: ‘Proclamarei o teu nome a meus irmãos [...]‘ Novamente ele diz: ‘Aqui estou eu com os filhos que Deus me deu’” (Hb 2.12,13). Assim como nosso Criador é também nosso Pai, nosso Salvador é nosso irmão quando entramos na família de Deus.
Então, assim como o conhecimento de sua filiação ímpar determinou-lhe a vida na terra, Jesus insiste em que o conhecimento de nossa adoção também deva determinar nossa vida. Isto pode ser observado muitas e muitas vezes em seus ensinamentos, mas em nenhum lugar está mais claro que no Sermão do Monte. Muitas vezes chamado a carta-patente do reino de Deus, este sermão poderia ser igualmente descrito como o código da família real, pois a ideia da filiação do discípulo de Deus é fundamental em todas as principais questões sobre obediência cristã abordadas no Sermão.
O QUE NOSSA ADOÇÃO NOS MOSTRA
A ideia de propiciação aparece textualmente apenas quatro vezes no Novo Testamento, e nem por isso é menos importante, constituindo, na realidade, o núcleo e o ponto focal de todo o conceito da obra salvífica de Cristo no Novo Testamento.
A palavra adoção (em grego significa “estabelecer como filho”) aparece apenas cinco vezes, e nessas ocasiões só três se referem à presente relação dos cristãos com Deus em Cristo Jesus (Rm 8.15; Gl 4.5; Ef 1.5).Entretanto, este pensamento é o centro, o ponto focal de todos os ensinamentos do Novo Testamento sobre a vida cristã. Estes dois conceitos, na verdade, estão juntos. Se me pedissem que centralizasse a mensagem do Novo Testamento em três palavras, minha sugestão seria esta: adoção mediante propiciação, e não espero encontrar outra síntese do Evangelho mais rica e mais abundante que essa.
A VIDA DE FÉ
A adoção aparece no Sermão do Monte como a base da vida de fé — isto é, a vida de confiança em que Deus proverá as necessidades materiais quando se busca seu reino e sua justiça. Creio ser desnecessário ressaltar que se pode ter uma vida de fé sem renunciar a um emprego lucrativo — alguns, sem dúvida, são chamados a fazê-lo, mas tentar isso sem orientação específica não seria fé, e sim tolice — e a diferença é grande!
Todos os cristãos são chamados à vida de fé, no sentido de obedecer a Deus a qualquer custo, confiando-lhe as consequências. Todos, porém, são tentados, cedo ou tarde, a colocar sua posição e segurança, em termos humanos, em plano superior à lealdade ao chamado de Deus. Então, quando resistem a essa tentação, são levados a se preocupar com o provável resultado de sua atitude, como aconteceu com os discípulos a quem o Sermão foi primeiramente pregado e também tem acontecido com muitos desde então.
Tal preocupação ocorre quando seguir Jesus os obrigou a desistir de parte da segurança ou prosperidade que de outra forma poderiam desfrutar.Para estes, portanto, tentados na vida de fé, Jesus traz a verdade de sua adoção.
“Não se preocupem com sua própria vida”, diz o Senhor, “quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir” (Mt 6.25). Alguém poderá objetar: “Isto não é ser realista. Como posso deixar de me preocupar quando enfrento isto, isso e aquilo?”. Ao que Jesus responde: “Sua fé é muito pequena. Você se esqueceu de que Deus é seu pai?”. “Observem as aves do céu [...] o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas?” (v. 26).
Se Deus cuida dos pássaros, dos quais ele não é pai, não está claro que ele certamente cuidará de você, de quem ele é Pai? O ponto central está positivamente nos versículos 31 a 33: “Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer?’, ou ‘Que vamos beber?’ [...] o Pai celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus [do Pai] e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas”.
“Podemos sofrer um acidente”, disse ansiosamente uma menina, à medida que o carro da família se desviava no meio do tráfego intenso. “Confie no papai, ele é um bom motorista”, disse a mãe. A menina sentiu-se segura e imediatamente se acalmou. Você confia dessa maneira no seu Pai celestial? Caso contrário, por que não? Essa confiança é vital; é na realidade a mola principal da vida de fé, sem a qual ela se torna apenas uma vida de incredulidade parcial.
Trechos selecionados do livro O Conhecimento de Deus, de J.I. Packer / IPródigo
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