A enxaqueca faz mais vítimas no sexo feminino: atinge 16 em cada 100 mulheres - contra 4 em cada 100 homens. Uma das causas é a variação rápida e abrupta do hormônio estrogênio. Felizmente, o problema tem solução
As estatísticas revelam: mais de 90% da população do Brasil teve ou terá cefaléia (dor de cabeça) algum dia. Em cerca de 50% dos casos o desconforto é frequente. Os dois tipos de dor de cabeça mais comuns, entre os quase 200 existentes, são a cefaléia tensional e a enxaqueca. A primeira é uma dor de final de tarde, que vem após um período de estresse ou um longo dia. Também pode ser conseqüência de sobrecarga emocional ou física e costuma passar com um simples analgésico. Já a enxaqueca é caracterizada por dor de cabeça geralmente latejante, em um ou nos dos dois lados da cabeça, com náusea, surgindo também vômitos, aversão à luz e ao barulho (fotofobia e fonofobia, respectivamente). "Dura de 4 a 72 horas e pode até piorar com atividades simples, como subir uma escada. Em geral, o mal obriga a pessoa a permanecer em repouso, interrompendo a rotina diária. Há ainda a chamada enxaqueca com aura, que apresenta as mesmas características, com o acréscimo de que antes ou durante o quadro, os pacientes descrevem fenômenos visuais (estrelinhas na vista ou sensações de perda visual) ou sensoriais (formigamentos pelo corpo, em um ou ambos os lados), que duram entre 5 e 60 minutos", explica a neurologista Eliana Melhado, professora da Faculdade de Medicina de Catanduva (SP).
O incômodo ocorre devido à sensibilidade do cérebro. "O enxaquecoso herda de seus pais (de um deles ou dos dois), através de seus genes, distúrbios neurológicos que levam a algumas alterações na química cerebral. Ou seja, seus neurotransmissores não são normais como os das outras pessoas. Eles propiciam uma instabilidade em seu funcionamento", diz o neurologista José Geraldo Speciali, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto.
Apesar de homens e mulheres apresentarem a mesma causa para o distúrbio, estudos comprovam que de cada 100 representantes do sexo feminino, 16 sofrem de enxaqueca, contra 4 em cada 100 do sexo masculino. A culpa seria da oscilação hormonal que acontece durante o ciclo menstrual - especialmente pela ação do hormônio estrogênio. "Quando ele cai no sangue ou aumenta rápida e abruptamente pode desencadear a enxaqueca. Mas se independente da quantidade, muita ou pouca, os níveis não oscilam, o desconforto não é desencadeado", explica o médico. Na prática acontece assim: próximo à menstruação o estrogênio cai rapidamente (levando a um quadro de dor de cabeça); na gravidez ele aumenta, mas fica estável durante todo o período (portanto, não acontece o quadro); na menopausa o hormônio cai e fica estável em níveis baixos (novamente nada de incômodo).
"OS HORMÔNIOS FEMININOS INFLUENCIAM A ENXAQUECA A VIDA TODA", AFIRMA O NEUROLOGISTA JOSÉ GERALDO SPECIALI, DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DE RIBEIRÃO PRETO
O papel da pílula anticoncepcional
Como as causas da enxaqueca - que é uma doença crônica também conhecida como migrânea - são bioquímicas, os anticoncepcionais podem interferir nos sintomas. "O uso da pílula pode melhorar ou não modificar a cefaléia (o que acontece de 30% a 40% dos casos) ou até piorá-la (a incidência vai de 18% a 50%). E a piora costuma ocorrer na semana de pausa do contraceptivo porque a queda de estrogênio desencadeada pela interrupção do medicamento é mais súbita do que a do ciclo menstrual natural", explica Eliana Melhado.
Em algumas mulheres a enxaqueca pode ser um efeito colateral dos contraceptivos hormonais, principalmente dos que contêm na formulação o hormônio etinilestradiol (com doses que variam entre 20 e 50 microgramas) associado a algum tipo de progesterona - como no caso das pílulas combinadas. "A tendência é de que os contraceptivos de baixa dose não interfiram na cefaléia. O problema maior então é a enxaqueca da pausa da pílula. Nesse caso, pode ser recomendado um tratamento no qual a mulher utilize entre três a seis cartelas de um tipo de pílula combinada com 28 comprimidos, que pelo fato de serem usadas de maneira ininterrupta, evitam a queda do estrogênio e as crises de enxaqueca menstrual", diz a médica.
Doença atrapalha a vida profissional
Estudos revelam que 53% das mulheres com enxaqueca têm incapacidade funcional durante as crises, ou seja, ficam impedidas de cumprir suas atividades do dia-a-dia. E das 28 milhões de brasileiras que sofrem do mal de maneira esporádica, 10 milhões evoluirão para o estágio crônico (ou seja, com crises diárias ou quase diárias). Mas é possível reverter esse quadro.
O primeiro passo é entender que se trata de uma doença crônica, porém com tratamento eficaz. "É preciso procurar atendimento médico especializado para ter acesso às diversas formas de orientações cabíveis, a fim de se reduzir essas taxas que na atualidade chegam a assustar, mas que em um futuro próximo poderão ser reduzidas", informa a neurologista Eliana Melhado.
O PASSO-A-PASSO DA CRISE
PRÓDROMO: esta fase precede o aparecimento da dor em algumas horas ou até um dia. Nessa etapa o paciente fica mais irritadiço, com raciocínio e memorização mais lentos, tem fome de doces e o sono é agitado e com pesadelos.
AURA: corresponde ao aparecimento de sintomas visuais que ocorrem em cerca de 15% das crises. São pontos luminosos, ziguezagues brilhantes, perda ou distorção de uma parte da visão. Este período dura até uma hora.
CEFALÉIA: é a dor propriamente dita, vem intensa, latejante, pulsátil, piorando com as atividades do dia-dia, atrapalhando ou mesmo impedindo o prosseguimento da rotina habitual. Chega a se manifestar de 4 a 72 horas.
NAÚSEAS E/OU VÔMITOS: quando aparecem indicam o final da fase de dor. Muitas vezes os pacientes relatam que após o vômito a dor costuma passar.
EXAUSTÃO: a pessoa fica horas ou até dias com sensação de cansaço, fraqueza, como se tivesse se dedicado a uma intensa atividade física, necessitando de um período de repouso para seu completo restabelecimento.
Combate eficiente à dor e prevenção
Segundo a especialista, existem diversos tipos de tratamento. "Para combater quadros agudos de enxaqueca temos um grande arsenal terapêutico. Atualmente recomenda-se antiinflamatórios e triptanos. Já para evitar as crises, pacientes que nunca tomaram medicações preventivas podem se beneficiar com as drogas mais convencionais como os betabloqueadores e os antidepressivos. As prescrições mais modernas prevêem divalproato de sódio e topiramato, este último muito bem tolerado pelo sexo feminino", afirma a professora da Faculdade de Medicina de Catanduva. Além desses, o médico José Geraldo Speciali destaca os bloqueadores com canais de cálcio, antidepressivos tricíclicos, antiserotonínicos e neuromoduladores.
Como o tratamento é individual, a vítima da enxaqueca deve recorrer a medidas medicamentosas possíveis, mas também tornar-se um fiel observador de suas crises para capturar outros fatores desencadeantes e evitá-los. Por exemplo: usar óculos de sol se a aversão de luz for intensa, evitar odores e alimentos que desencadeiam o quadro, melhorar a qualidade de vida para reduzir o nível de estresse, dormir um sono regular todas as noites e ter uma alimentação saudável. A prática exercícios é outra coisa que ajuda na prevenção, porque libera endorfinas, agentes analgésicos naturais que aumentam o limiar da dor.
E ainda vale um alerta: "O uso abusivo de remédios para aliviar o desconforto bloqueia a produção de endorfinas e outros neurotransmissores analgésicos fabricados pelo cérebro. Daí que sem essas defesas naturais as crises se tornam mais freqüentes, fortes e duradouras", avisa o neurologista José Speciali. Na prática, isso significa dizer que uma pessoa que tinha dores de cabeça ocasionais corre o risco de passar a ter enxaqueca crônica diária se abusar dos medicamentos. O melhor mesmo é investir na prevenção!
Fonte: Revista Viva Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário