Aumenta o número de meninas que engravidam no País, segundo relatório do Unicef, contrariando a tendência de queda da taxa de natalidade entre as brasileiras
Era feriado da Proclamação da República, 15 de novembro. Em vez de sair com os amigos, Victoria Pereira Rocha, 14 anos, aproveitou o dia de folga para ir até a farmácia sem levantar suspeitas e esclarecer uma dúvida que a atormentava havia um mês, desde que sua menstruação atrasou. Com o teste de gravidez em mãos, fez o exame em casa, escondido da mãe. Quase caiu para trás quando viu surgir os dois tracinhos vermelhos no bastão branco: como temia, estava grávida. “Eu sempre falava que não queria ter filhos”, diz Victoria. Nove meses depois, nascia Pedro Henrique. Victoria e seu filho fazem parte de uma triste estatística revelada pelo relatório Situação da Infância Brasileira 2011, divulgado na semana passada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em cinco anos, contrariando a queda da taxa de natalidade (21,9% em dez anos no País), subiu em 6% o número de filhos de meninas com menos de 15 anos. A cada hora, são mais de três partos de grávidas nessa faixa etária no Brasil. “Isso nos preocupa”, disse à ISTOÉ a representante do Unicef no Brasil, Marie-Pierre Poirier. “Temos uma lei no País que fala que toda relação sexual até os 14 anos tem presunção de estupro. Nem era para essa relação sexual ter acontecido.”
Esse crescimento apontado pelo relatório foi detectado apenas nas menores de 15 anos. Entre as adolescentes mais velhas, com 16 anos ou mais, a tendência é inversa – diminuiu 14% no mesmo período. “Isso mostra que falta uma atuação específica junto a esse público mais novo”, afirma Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan. “Existe um descompasso, pois as meninas têm acesso ao sexo cada vez mais cedo, mas ninguém conversa com elas sobre o assunto.” Para os pais, elas ainda são muito crianças, e, nas escolas, o assunto só é pauta a partir do ensino médio. O resultado são casos como o de Victoria: na primeira vez em que ela pisou num consultório de ginecologista, já estava grávida. “Minha mãe nem sabia que eu tinha perdido a virgindade”, conta. Mesmo sem ter ido ao médico, ela já fazia uso de uma pílula anticoncepcional por recomendação de amigas. Ficou grávida porque se esqueceu de tomar o comprimido todos os dias.
Na equação da gravidez na adolescência, falta assistência justamente no período em que mais surgem dúvidas. Não que essas meninas não saibam como evitar filhos. Assim como Victoria, grande parte delas conhece os principais métodos contraceptivos e até sabe onde consegui-los. Acabam, porém, cedendo ao companheiro, que pede que elas não usem nenhuma proteção. “O início da adolescência é um período de muita insegurança, o que gera uma dificuldade imensa de negociação com o parceiro, especialmente porque ele geralmente é mais velho”, diz Albertina Duarte, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Contrariando a tendência nacional, o Estado reduziu os casos de gravidez entre garotas com menos de 15 anos. O segredo, segundo Albertina, tem sido trabalhar a autoestima das adolescentes.
A descoberta da gravidez é só a primeira situação difícil para essas meninas que irão se tornar mães. O bebê em desenvolvimento dentro de um corpo recém-entrado na puberdade está suscetível a uma série de problemas. “Há mais casos de baixo peso ao nascer e de partos prematuros, também aumentam-se as chances de infecção e diabetes gestacional ou pré-eclâmpsia”, enumera o ginecologista e obstetra Marco Aurélio Galletta, responsável pelo setor de gravidez na adolescência do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Superada a gestação, começam as complicações sociais. “Essas meninas perdem a oportunidade de vivenciar as relações próprias da adolescência por ter de assumir a maternidade”, diz Maria do Rosario Figueiroa, do Programa de Atenção à Saúde da Gestante Adolescente do Hospital das Clínicas de Pernambuco. Sobem também as chances de um segundo filho ainda na tenra juventude. Quase metade dessas garotas volta a ser mãe de dois a três anos depois da primeira gestação. “Já tivemos uma paciente de 17 anos com três filhos”, conta a ginecologista Ezaltina Monteiro, do Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre. Outra dificuldade é conciliar a maternidade com os estudos. Das mães com idade entre 10 e 17 anos, 76% estão fora da escola. Entre as adolescentes nessa faixa etária, mas sem filhos, o índice é de apenas 6%. Algumas, como Victoria, conseguem seguir aos trancos e barrancos. Outras, como Letícia Manta, hoje com 16 anos, abandonam os estudos e se tornam donas de casa. A garota, que engravidou aos 15, mora com a filha, Anna Clara, de seis meses, e o namorado, de 22 anos. “Quero voltar a estudar e fazer pedagogia”, diz. Por hora, porém, a vida de Letícia é amamentar, lavar fraldas e cozinhar.
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