Normalmente, por motivos óbvios, não assisto televisão nos domingos. Ultimamente tenho conseguido ver a jornalista Regina Casé, no Fantástico, com suas reportagens sobre a periferia social do Brasil. Gosto dela. Seu jeito espontâneo de conversar e como valoriza os mais pobres, encantam meu coração. Ela não só apresenta a riqueza cultural dos mais miseráveis, como oferece uma rara oportunidade de integrar os excluídos sociais do camuflado aparthaid social brasileiro– que só se aprofunda em nossa perversa desigualdade.
Casé também consegue intrigar-me. Com seus programas, sinto-me confrontado com a distância que me separa dos marginalizados. Percebo também a facilidade com que os evangélicos se identificam com os valores da classe média burguesa. Noto que a espiritualidade cultivada entre os protestantes brasileiros se afastou anos luz do que Jesus viveu e praticou na Palestina.
Com a influência do “american way of life”, os crentes brasileiros sonham em ascender socialmente. Para subirem, porém, eles dependem de uma economia que funciona como peneira de malhas apertadas. Poucos privilegiados, que já nasceram em famílias privilegiadas, conseguem passar. Assim, a função religiosa se resumiu no esforço de pedir que Deus compense essas distorções, premiando o maior número de seus filhos com favores especiais. Repete-se nos cultos, ad nauseum, que Deus é bom e que ele não permitirá que seus filhos mendiguem o pão.
Infelizmente, a realidade cruel nega os sermões. Crianças, filhas de crentes, morrem nos corredores fétidos de hospitais públicos; nordestinos crentes esperam pelo assistencialismo dos coronéis para comerem; congregações evangélicas são construídas sobre palafitas na ribanceira de esgotos a céu aberto. Os excluídos continuam inalcançados pelos curtos braços da pátria gentil, e para eles, tarda a “bênção” da prosperidade.
A minoria sortuda, que já nasceu com larga vantagem sobre os demais, precisa apaziguar sua consciência, bem como “proteger” seus favores de eventuais ameaças circunstancias ou espirituais. Já que sobram textos bíblicos sobre o cuidado perene de Deus, basta citar os mais badalados: “Tudo posso naquele que me fortalece”; “Se Deus é por nós, quem será contra nós”. Resultado: com todos devidamente pacificados, solidifica-se o abismo que separa os crentes “melhor de vida” dos que dependem de narcotraficantes para entrarem e saírem em paz da favela onde vivem.
Vez por outra, os evangélicos de classe média percebem que existem pobres servindo o mesmo Deus que eles. Nessas horas, a teologia determinista da providência acalma eventuais angústias. “Deus sabe o que faz e dará aos seus filhos o cobertor do tamanho certo”. No caso dessas inquietações inoportunas continuarem, convém lembrar que a nobilíssima responsabilidade da igreja é salvar almas e que o autêntico missionário não precisa preocupar-se com a injustiça social – isso é coisa de comunista. Sempre será mais fácil fazer filantropia do que defender a justiça.
O rescaldo trágico disso tudo é que os cristãos precisam de uma Regina Casé para se inteirarem do que acontece nos lugares onde Jesus caminha e vive.
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