“Espera-se da pessoa dedicada que apóie a causa do Pai, a causa da
adoração verdadeira, que pregue em honra da Palavra e do nome de
Jeová Deus, que assuma plenamente suas responsabilidades como
ministro, pregador no serviço de campo de casa em casa, e que
de outras formas participe plenamente nas atividades da sociedade
do Novo Mundo, para promover a proclamação do Reino e apoiar
a verdadeira adoração de Jeová. A pessoa dedicada tem de ser
uma Testemunha de casa em casa como foram Cristo Jesus
e os apóstolos tanto quanto lhe permita a sua capacidade, e tem
de ser de outras formas testemunha e anunciador do reino
teocrático da justiça.” (A Sentinela de 1° de julho de 1955 [em inglês],
página 409, parágrafo 10. Grifos acrescentados.)
O ensino da liderança das Testemunhas de Jeová sobre o testemunho de
casa em casa baseia-se amplamente em textos como Atos 5:42 e 20:20.
Na Tradução do Novo Mundo,da Torre de Vigia, estes dizem:
E cada dia, no templo e de casa em casa, continuavam sem cessar a
ensinar e a declarar as boas novas a respeito do Cristo, Jesus.Ao passo que não me refreei de vos falar coisa alguma que fosse
proveitosa, nem de vos ensinar publicamente e de casa em casa.
Deduz-se que “de casa em casa” indica atividade de porta em porta, indo
consecutivamente de uma porta para a seguinte, uma porta após a outra,
visitando pessoas sem convite prévio e geralmente sem conhecê-las
de antemão. Está essa dedução necessariamente correta?
Quando a Tradução do Novo Mundo foi publicada, a organização Torre de
Vigia concentrou a atenção na expressão grega original (kat’oikon) da qual
vem a tradução “de casa em casa”.
Enfatizou-se que a preposição kata
(que significa literalmente “segundo”) é usada aqui em sentidodistributivo.
Portanto, afirmou-se que a expressão “de casa em casa” tem o mesmo
sentido de “de porta em porta”, isto é, ir de uma porta para a porta seguinte
ao longo duma rua.
A afirmação não se sustenta quando examinada e considerada. Em primeiro
lugar, distributivo não é o mesmo que consecutivo. Alguém pode ir de “casa
em casa” indo de uma casa numa área para uma casa noutra área, assim
como o médico que faz “visitas domiciliares” pode ir de lar em lar. De modo
algum requer a idéia de visitas consecutivas de porta em porta.
A alegação de que o uso da preposição kata no sentido distributivo exige
a tradução “de casa em casa” para estar correta e exata, é, de fato,
desautorizada pela própria Tradução do Novo Mundo.
Poucas Testemunhas percebem que a mesma expressão (kat’oikon), traduzida
“de casa em casa” na Tradução do Novo Mundo em Atos, capítulo 5, versículo
42, também ocorre no capítulo 2, versículo 46. Pode-se ver abaixo
como estes versículos aparecem na Tradução Interlinear do Reino(em inglês)
da Torre de Vigia, que contém a Tradução do Novo Mundo na coluna da direita.
Atos 2:46
| |
46 segundo o dia e perseverando de mentalidade comum no templo, partindo esegundo a casa pão, eles partilhavam da comida em exultação e simplicidade de coração, 47 louvando a Deus e
|
necessidade. 46 E dia
após dia assistiam
constantemente no
templo, de comum
acordo, tomando as
suas refeições em
lares particulares
e participando do
alimento com
grande júbilo e
sinceridade de coração,
47 louvando a Deus e
|
Atos 5:42
| |
porque eles foram contados dignos sobre o nome para ser desonrados; 42 todos e dia no templo e segundo a casa não eles cessavam ensinar e declara boas novas sobre o Cristo Jesus
|
desonrados a favor do
nome dele. 42 E cada
dia, no templo e de
casa em casa,
continuavam sem
cessar a ensinar e
a declarar as boas
novas
a respeito do Cristo,
Jesus.
|
Como mostra o lado esquerdo da Interlinear, a mesma expressão aparece
nos dois textos com o mesmo sentido distributivo de kata. Todavia, em
Atos 2:46, a tradução não é “de casa em casa” e sim “em lares particulares
.” Por quê?
Como não é lógico pensar que os discípulos tomavam refeições indo duma
casa para a outra rua abaixo, e como a liderança da Torre de Vigia pretende
atribuir esse sentido específico à expressão “de casa em casa” (para apoiar
sua atividade de porta em porta), ela quer evitar as perguntas que poderiam
surgir se usasse a tradução “casa em casa” aqui. Como já dissemos, a maioria
das Testemunhas não percebe esta troca de traduções e a Torre de Vigia
prefere não chamar a atenção para o assunto, nem mencioná-lo abertamente.
Em Atos 20:20, a expressão aparece novamente, embora a palavra para
”casa” ou “lares” esteja aqui no plural (kat’oikous):
Atos 20:20
| |
conspirações dos judeus; 20 como nada eu refreei das (coisas) que trazem juntas dos não para contar a VÓS e ensinar a VÓS ao [lugar público] e segundo as casas.
|
20 ao passo que não
me refreei de vos
falar coisa alguma
que fosse proveitosa
nem de vos ensinar
publicamente e de
casa em casa.
|
Mais uma vez, cabe simplesmente ao tradutor decidir como esta expressão
grega será vertida. Que o principal tradutor da Tradução do Novo Mundo,
Fred Franz, reconheceu isto, pode se ver na nota de rodapé deste versículo
que aparece numa edição posterior, de letra grande, a Tradução do Novo
Mundo com Referências. A nota de rodapé diz:
* Ou, “e em casas particulares”.
Não é que seja errado traduzir kat’oikon (ou kat’oikous) como “de casa em
casa”. É uma tradução perfeitamente correta e se encontra em muitas
outras versões da Bíblia, mesmo em Atos 2:46. (Veja o Apêndice). Depende
só do tradutor qual das opções, “de casa em casa” ou “em lares particulares”
, será usada nos dois textos. O errado é tentar fazer a expressão transmitir
um sentido que de fato não existe.
Está claro que os apóstolos e outros cristãos primitivos visitavam
pessoas em seus lares particulares. O que não está nada claro é
que eles participavam na atividade de porta em porta conforme fazem
atualmente as Testemunhas de Jeová. Pode-se afirmar isto, mas é uma
afirmação sem qualquer prova.
Estes textos não são os únicos que a Torre de Vigia usa no esforço de
apresentar o testemunho de porta em porta como o modo realmente cristão,
igual ao de Cristo, de divulgar o conhecimento da Palavra de Deus. Outra
passagem bíblica que usam muito em seus argumentos é
Mateus 10:11-14, na qual Jesus deu estas instruções quando enviou seus
apóstolos a pregar:
Em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai nela quem é
merecedor, e ficai ali até partirdes. Ao entrardes na casa, cumprimentai
a família; e, se a casa for merecedora, venha sobre ela a paz que lhe
desejais; mas, se ela não for merecedora, volte a vós a vossa paz. Onde
quer que alguém não vos acolher ou não escutar as vossas palavras, ao
sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés.
Nas publicações da Torre de Vigia, dá-se constante ênfase à declaração:
“Procurai nela [cidade ou aldeia] quem é merecedor.” Então explicam que
isto significa ir de porta em porta para encontrar pessoas receptivas às
boas novas. Não se dá atenção às palavras do contexto, que dizem
(versículo 11): “Ficai ali até partirdes.” Estas palavras quase
nunca são explicadas nas publicações da Torre de Vigia, pois deixam
claro que Jesus estava falando aqui não de testemunho de porta em
porta, mas sobre obter hospedagem.
O Registro de Testemunho do Apóstolo Paulo
O capítulo 19 de Atos mostra que, ao chegar a Éfeso, Paulo “achou alguns
discípulos”, cerca de doze, que nada sabiam acerca de receber o dom do
Espírito ou de serem batizados no nome de Cristo, tendo sido batizados no
batismo de João. Paulo os batizou no nome de Jesus. Mas deve-se notar
que estes homens já eram “crentes”, “discípulos”, quando ele os encontrou.
Ele não os ensinou como se fossem estranhos desinformados, mas como
homens que já eram discípulos.
O caso deles pode se comparar ao de Apolo, descrito no capítulo anterior
como “familiarizado apenas com o batismo de João” quando Áquila e Priscila
o conheceram. (Atos 18:24-26) No entanto, mesmo antes que lhe
expusessem “mais corretamente o caminho de Deus”, Apolo já “falava e
ensinava com precisão as coisas a respeito de Jesus” na sinagoga. Embora
incompleto no seu entendimento, ele já era cristão quando Áquila e Priscila
o conheceram. Além disso, eles não o encontraram indo de porta em porta,
mas enquanto eles próprios freqüentavam a sinagoga. Não há razão alguma para encarar os doze homens em Éfeso de modo diferente.
Após descrever o batismo destes homens por Paulo, o relato em Atos
capítulo 19 diz:
Entrando na sinagoga, falou com denodo, por três meses, proferindo
discursos e usando de persuasão a respeito do reino de Deus. Mas,
quando alguns prosseguiam em endurecer-se e em não crer, falando
injuriosamente sobre O Caminho perante a multidão, retirou-se deles
eseparou deles os discípulos, proferindo diariamente discursos no auditório
da escola de Tirano.
Este é o testemunho ocular de Lucas sobre o ministério de Paulo em Éfeso.
Mostra que alguns dos que ouviam os discursos de Paulo na sinagoga durante
aqueles três meses ou já eram ou tornaram-se discípulos depois. Não diz que
estes, ou quaisquer outros, abraçaram o cristianismo em resultado da
atividade de pregação de “casa em casa”. O contexto muito claro da
evidência bíblica indica que isto foi mais provavelmente em resultado
de terem escutado os discursos públicos de Paulo na sinagoga. Considere
essa evidência conforme é apresentada no relato de Lucas:
Em todo o livro de Atos há exemplos e mais exemplos de pessoas que se
tornaram crentes em resultado de discursos dados em lugares públicos ou
de maneira pública. Os 3.000 em Pentecostes reuniram-se publicamente
para ouvir Pedro e os outros discípulos falarem, e naquele mesmo
diaarrependeram-se e tornaram-se crentes. Não estavam atendendo alguém
às portas de suas casas. (Atos 2:1-41) Embora seja verdade que Cornélio
e seus companheiros ouviram a mensagem de arrependimento e fé em Cristo
na casa dele, a visita de Pedro ali não estava relacionada a nenhuma
“atividade de pregação de “casa em casa”, mas era uma visita específica
àquela casa. (Atos 10:24-48) Em Antioquia da Pisídia, em resultado de
Paulo falar na sinagoga, alguns judeus e prosélitos “seguiram a Paulo
e Barnabé” para ouvirem mais. (Atos 13:14-16, 38-43) Se alguma casa estava
envolvida, era mais provavelmente aquela em que Paulo e Barnabé se
hospedavam, onde estas pessoas interessadas os visitavam, o que é o
oposto de serem visitadas em suas casas por Paulo e Barnabé. (Confira
uma situação similar no ministério de Jesus em João 1:35-39.) No sábado
seguinte, “todos os corretamente dispostos para com a vida eterna
tornaram-se crentes”,na sinagoga, segundo todas as indicações.
(Atos 13:44-48) Em Icônio, o relato diz que Paulo e Barnabé falaram
de novo na sinagoga e “uma grande multidão, tanto de judeus como
de gregos, se tornaram crentes”. Eles ‘se arrependeram e tiveram fé em
Cristo’ em resultado do ensino público na sinagoga, sem menção a
qualquer “atividade de “casa em casa”. (Atos 14:1) Em Filipos, Lídia
‘abriu-lhe o coração e prestou atenção à mensagem de Paulo’, mas isto foi
junto de um rio e foi só depois que Paulo entrou na casa dela, já como
hóspede.1 O carcereiro filipense que mais tarde se converteu, conheceu
Paulo quando este estava detido na prisão dele, e a entrada de Paulo na
casa dele resultou de o carcereiro ter pedido para saber mais, não de
uma visita não solicitada à sua casa. (Atos 16:12-15, 25-34) Em Tessalônica,
o resultado de Paulo ter raciocinado com as pessoasna sinagoga por três
sábados foi que “alguns deles tornaram-se crentes e associaram-se com
Paulo e Silas, e assim fizeram também uma grande multidão dos gregos que
adoravam a Deus” ― novamente, ensino público numa sinagoga sem
menção a qualquer atividade de pregação de “casa em casa”. (Atos 17:1-4)
Beréia, quando chegaram, “entraram na sinagoga dos judeus” e
“muitos deles tornaram-se crentes, e assim também não poucas das
mulheres gregas bem conceituadas e dos homens”. (Atos 17:10-12)
Em Atenas, após Paulo ter falado publicamente nasinagoga, na feira e no
, todos lugares públicos, alguns “juntaram-se a ele e tornaram-se crentes”.
(Atos 17:16-34) Em Corinto, Paulo, enquanto hospedado na casa de
Áquila e Priscila, “cada sábado, dava um discurso na sinagoga e
persuadia judeus e gregos”. Quando a oposição o forçou a sair da
sinagoga, ele foi para a casa vizinha de Tício Justo, e usou esta casa
como lugar de ensino, e o relato diz: “Mas Crispo, o presidente da
sinagoga, tornou-se crente no Senhor, e assim também todos os de
sua família. E muitos dos coríntios, que tinham ouvido, começaram a crer
e a ser batizados.” (Atos 18:1-8) Crispo e sua família tinham ouvido de
início as boas novas na sinagoga e só mais tarde em sua casa, quando
esta foi usada como local de reunião, sem a ocorrência de visitas de porta
em porta.
Todos estes relatos antecedem o relato da atividade de Paulo em Éfeso.
Devemos achar que estes não lançam luz sobre a declaração de Paulo
em Atos 20:20 citada na Sentinela, de que ele deu “cabalmente testemunho,
tanto a judeus como a gregos, do arrependimento para com Deus e da
fé em nosso Senhor Jesus”? Onde exatamente Paulo tinha feito isso, em
todos estes relatos? Foi em algum tipo de atividade de porta em porta?
Ou foi, em vez disso, em lugares públicos, principalmente sinagogas?
Quando se falou em casas, tinha ido ali o apóstolo em atividade de porta
em porta, ou tinha sido, em cada caso, convidado àquela casa específica?
Tinham as pessoas, “judeus e gregos”, se arrependido e se tornado
cristãs através de ensino público nas sinagogas? Tinham, claramente.
Paulo diz que ensinou pessoas em Éfeso “publicamente e de casa em casa”.
Se o primeiro método é público, o segundo, naturalmente, é particular. Visto
no contexto extenso e detalhado de todo o livro de Atos, é claro que o caso
de Éfeso pode ter sido este: Paulo encontrou crentes em resultado de ter
falado na sinagoga, e mais tarde, na escola de Tirano, e depois disso foi aos
lares desses crentes, uma casa depois da outra, dando-lhes instrução, não
pública, mas particular, instrução personalizada.
Uma séria responsabilidade acompanha a argumentação parcial e
tendenciosa que se usa para apoiar a alegação da organização de que
a atividade de porta em porta é ensinada e defendida na Bíblia, e que
era um método distintivo de testemunho do primeiro século. Não se
trata de mera discussão acadêmica ou debate sobre aspectos técnicos.
Tem impacto na vida das pessoas, e no modo como encaram a si mesmas
e aos outros.
O método de porta em porta que a organização Torre de Vigia promove
foi claramente convertido num padrão pelo qual se julga a espiritualidade
dos outros e seu amor a Deus. Com certeza, qualquer ensino que traga
essas conseqüências merece argumentos mais sólidos do que os
encontrados nas publicações da organização, uma consideração
mais plena e mais justa da evidência e das questões envolvidas.
___________
NOTAS:
1 Esta situação ilustra de modo notável como deve ter ocorrido
anteriormente com
os discípulos de Jesus nas suas viagens de pregação, ao aplicarem
a sua instrução sobre permanecer nos lares de ‘pessoas merecedoras’.
Imagem: Revista A Sentinela de 1º de março de 1980, pág. 8
Raymond V. Franz
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