Já na fase final de sua elaboração, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que vai guiar a educação básica a partir de 2019, se tornou objeto de discórdia entre os integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE). A principal reclamação é que os conselheiros que vão votar se aprovam ou não a unificação das diretrizes para o ensino de mais de 35 milhões de estudantes de escolas públicas e particulares não tiveram acesso ao texto com tempo hábil para uma leitura atenta.
O texto não foi divulgado para o público. A Associação dos Jornalistas de Educação chegou a pedir que o documento fosse divulgado para que a sociedade pudesse participar dos debates. Pelas regras atuais, as escolas seguem diretrizes do CNE. Essas regras serão consolidadas em um único material, previsto no Plano Nacional de Educação.
Na última versão do texto do Ministério da Educação (MEC) divulgada aos conselheiros, há basicamente três grandes divergências:
Idade para concluir a alfabetização
Para o Ministério da Educação, os estudantes devem ser alfabetizados até o fim do 2º ano. Hoje, o prazo máximo vai até o 3º ano.
O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) defende que o prazo deveria ser ainda melhor. "O MEC acertou ao tentar adiantar o fim do ciclo de alfabetização para o segundo ano, mas o ideal seria que isso ocorresse ainda no primeiro ano", enfatizou em artigo publicado na Gazeta do Povo.
No entanto, há integrantes no conselho que preferem a manutenção do prazo até o 3º ano. Em agosto, o presidente da comissão de elaboração da BNCC se posicionou contra, com o argumento de que poderia impor um trauma às crianças.
Já o presidente do conselho, Eduardo Deschamps, defende a redução na idade. Segundo ele, os resultados da ANA [Avaliação Nacional de Alfabetização recentemente divulgados indicam que a maioria das crianças do 3º ano com mais de oito anos estão em nível insuficiente, "enquanto as crianças que estão em escolas particulares acabam conseguindo uma alfabetização muito antes. Temos exemplos no Brasil que demonstram que é possível transformar essa realidade, como no Ceará, em Santa Catarina e em São Paulo".
Ensino religioso
O texto do Ministério da Educação estabelece o ensino religioso como como uma área do conhecimento, assim como Matemática. Porém, a Constituição brasileira prevê matrícula facultativa na disciplina. O impasse dentro do conselho é sobre o peso que a área passará a ter.
Em setembro, ao ser questionado sobre a constitucionalidade da oferta do ensino religioso, o Supremo Tribunal Federal pontuou que não é inconstitucional oferecer a disciplina desde que seja facultativa.
O item foi incluído de supetão na quarta versão do documento. Uma das versões iniciais trazia a informação de que o tema não seria abordado pelo caráter 'optativo'.
Ao Estadão, o pesquisador da Ação Educativa e professor de Direito da Universidade Federal do ABC (UFABC) Salomão Ximenes disse acreditar que a inserção do ensino religioso agora é resultado de pressão de grupos de interesse.
Orientação sexual e de gênero
Também foram excluídas da versão final do texto menções ao combate à discriminação de gênero. No início de novembro, Deschamps garantiu que o tema entraria no texto final. "O CNE certamente vai trabalhar uma forma de inserção e de tratamento dessa informação no âmbito do documento, respeitando o pluralismo, as diferença e os direitos humanos, com um texto que possa ser devidamente compreendido", afirmou.
No entanto, desde abril deputados da bancada religiosa já comemoravam que o tema estaria fora de discussão. Na época, após reunião com o presidente Michel Temer, termos como "identidade de gênero" e "orientação sexual" foram retirados da versão inicial do texto.
Na época, o líder do PSC na Câmara, deputado Victório Galli (MT) ressaltou que o presidente se mostrou favorável a "defender a família brasileira".
À Folha de S.Paulo, a presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação, Andréa Gouveia, afirmou que ao retirar os nomes das desigualdades e preconceitos há um reforço de visões conservadoras de que preconceitos não existem.
Tramitação
Foi aprovado o regime de urgência para votação do texto nesta quinta-feira (7), mas um pedido de vista adiou a discussão. Mesmo com pressão do Ministério da Educação para encerrar logo a tramitação do texto, a expectativa é que o texto só volte a ser discutido no ano que vem.
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