Há em Portugal - e no mundo - padres que tiveram filhos, assumiram
legalmente essa paternidade e continuam à frente das suas paróquias.
O direito canónico não impõe ordem de expulsão (ou redução ao estado
laical) a quem violou o voto de celibato e tudo se resolve no quadro de
diálogo, bom senso e tendo em conta "o superior interesse da criança",
assegura o biblista e teólogo Frei Fernando Ventura. O mesmo
entendimento tem o padre Anselmo Borges: "É necessário que um
padre assuma as suas responsabilidades como pai, agora se isso
implica automaticamente o afastamento do sacerdócio, não é claro."
Ou seja, o padre Giselo Andrade, que reconheceu ter uma filha,
pode continuar à frente da paróquia da Madeira, como parece ser
a sua vontade.
Em termos legais, não há a obrigatoriedade de haver uma expulsão,
confirmou o DN junto de um especialista nesta área. No entanto, o
facto de não haver uma referência taxativa à questão da paternidade
por parte dos sacerdotes, faz com que existam outras interpretações da
lei católica. "De acordo com o direito canónico atual, o padre será
suspenso", aponta a teóloga Teresa Toldy. Acrescentando que a
manutenção de um padre nestas circunstâncias "teria de ser ordenada
pelo Vaticano". "Um bispo de uma diocese pode dialogar com o padre
em questão, mas não tem autoridade para dizer que ele pode continuar
à frente de uma paróquia, tendo assumido uma família."
Na diocese do Funchal, o bispo está "a acompanhar" a situação, segundo
explicou em comunicado. Giselo Andrade, pároco do Monte, na Madeira,
assumiu a paternidade de uma bebé nascida em agosto. A diocese responde
que "foi com tristeza que recebeu as recentes notícias sobre a vida de um
sacerdote" estando em causa "um contratestemunho daquela que deve
ser a vida de qualquer sacerdote". Ainda assim, e apesar de admitir que
a Igreja não permite uma vida dupla, a diocese "não pondera a abertura
de qualquer processo, mas simplesmente o acompanhamento pastoral e
o discernimento".
Não haverá processo, uma vez que este serve, segundo o direito canónico,
para averiguar a veracidade dos factos, o que nesta situação já não é
necessário. Agora a continuidade do sacerdote nas suas funções é que
pode ser avaliada e aí vai também depender das circunstâncias. Estas são
situações decididas caso a caso. E como lembra Fernando Ventura "não é
inédito um padre assumir um filho e continuar em funções". O que
acontece é que "não é publicitado".
E pode ser mesmo o "alarme mediático" a ditar o afastamento de Giselo
Andrade. "A ampliação do caso pode obrigar a uma tomada de posição
por parte dos bispos, que vão reunir na próxima semana. A criança tem
direito a não crescer numa situação de escândalo público. A decisão final
terá sempre em consideração o superior interesse da criança", acrescenta
o biblista. A conferência episcopal portuguesa admitiu que o assunto
pode ser abordado na reunião da próxima semana.
Não existe na Igreja Católica uma lei clara de como agir nestes casos, mas
não é de hoje que se fala dos filhos dos religiosos. O próprio Papa Francisco,
quando dirigia a igreja de Buenos Aires defendia que os sacerdotes deviam
assumir a paternidade dos seus filhos. Mas já depois de ocupar a cadeira
de São Pedro, Francisco garantiu que não ia mexer no celibato obrigatório.
E é neste ponto, que Luísa Toldy - favorável ao celibato opcional - acredita
que não há condições na lei canónica para que os padres que assumem filhos
continuem à frente de uma paróquia. No entanto, o entendimento da Igreja
tende a ser o de perdoar os padres que cometem esta falha.
O teólogo Anselmo Borges, defensor também do fim do celibato, considera
que manter um padre em funções passa por "um diálogo aberto e responsável
com o bispo e a mãe da criança". Podendo ser aplicada apenas uma penitência:
"O bispo pode mandar o padre para um convento refletir."
Em termos internacionais os filhos dos padres foram objeto de
diretrizes da conferência episcopal irlandesa, antecipando uma investigação
jornalística do grupo Spotlight, do Boston Globesobre o tema.
O documento divulgado em maio aconselha os padres a assumir as
responsabilidades "pessoais, legais, morais e financeiras" perante o
recém-nascido. Sem, no entanto, deixar de sublinhar que cada caso é um
caso, reforça que existem "alguns princípios" sobre os quais deve assentar
a decisão do padre. Como o "melhor interesse da criança, o diálogo e
respeito pela mãe da criança, o diálogo com os superiores eclesiásticos e
ter em conta as leis civis e canónicas".
https://www.dn.pt/sociedade/interior/igreja-permite-que-padres-continuem-em-funcoes-depois-de-assumirem-paternidade-8898792.html
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