Após ataque terrorista em Nova York, presidente dos Estados Unidos pretende intensificar restrição a imigrantes
Marcelo Mariano
Nova York se deparou, no dia 31 do mês passado, com o atentado terrorista mais fatal da cidade desde o 11 de Setembro. Sayfullo Saipov, de 29 anos, foi o responsável pelo ataque. O cidadão do Uzbequistão, que emigrou para os Estados Unidos legalmente em 2010, se inspirou no Estado Islâmico para atropelar pessoas com um caminhão. Ao todo, foram 8 mortos e 12 feridos. Entre os mortos, estavam cinco amigos argentinos, de Rosário, que tinham viajado aos EUA para comemorar 30 anos de formatura.
Antes mesmo de prestar suas condolências, o presidente Donald Trump publicou, no Twitter, uma postagem com os seguintes dizeres: “não podemos deixar que o Estado Islâmico retorne, ou entre, no nosso país depois de o termos derrotado no Oriente Médio e em outros lugares”. No dia seguinte, o republicano declarou, mais uma vez em sua rede social preferida, ter ordenado que o Departamento de Segurança Interna intensificasse o programa que restringe a entrada de imigrantes no País e sugeriu que Saipov fosse enviado à controversa prisão de Guantánamo.
Treze dias antes do atentado em Nova York, a nova política migratória de Donald Trump entrou em vigor após sua segunda revisão. A medida mira cidadãos da Somália, do Iêmen, da Síria, da Líbia, do Irã, da Coreia do Norte, do Chad e da Venezuela. Os três últimos países entraram na lista com a publicação do novo texto, que prevê ainda a retirada do Sudão — o Iraque foi retirado na primeira revisão depois do governo local ter se comprometido a cooperar com investigações e, no caso da Venezuela, cabe ressaltar que as restrições se aplicam somente a integrantes do governo e seus familiares.
Durante a campanha presidencial, Donald Trump afirmou diversas vezes o intuito de bloquear a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos. Contudo, trata-se de algo impraticável. Pessoas como o prefeito de Londres, Sadiq Khan, e a Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai, estariam impedidas de pisar em solo estadunidense.
Além disso, a generalização dos praticantes da fé islâmica é, aqui, extremamente perigosa. Afinal, existem aproximadamente 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo, de acordo com dados do PewResearchCenter, espalhados por inúmeros países. O país com o maior número de muçulmanos é a Indonésia. Índia, Paquistão e Bangladesh também aparecerem no topo da lista. Mas os muçulmanos da Indonésia, da Índia, do Paquistão e de Bangladesh são bem diferentes dos muçulmanos do Egito, da Arábia Saudita, do Irã e do próprio Uzbequistão. O pensamento de Trump, neste caso, peca pelo desconhecimento da diferença entre etnia e religião.
Coordenador do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Danillo Alarcon explica que o conceito de etnia está ligado a afinidades linguísticas e culturais. O termo árabe, portanto, está relacionado à etnia e, muçulmano, à religião. Mas nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano é árabe. Por exemplo, Michel Aoun, presidente do Líbano, é um árabe cristão e Hassan Rohani, presidente do Irã, é um persa muçulmano.
Outro ponto interessante diz respeito à nacionalidade. O conflito entre Israel e Palestina tem as suas especificidades religiosas, mas o sentimento de pertencimento a uma nação também exerce sua relevância e, nesse sentido, pode-se dizer que existem cristãos identificados como palestinos, segundo Danillo Alarcon. É o caso da ex-prefeira de Ramallah, Janet Mikhail. O professor lembra ainda que, em algumas cidades palestinas, como Belém, é possível encontrar uma considerável população de cristãos.
Para Danillo Alarcon, a política migratória de Donald Trump, além de preconceituosa, está fadada ao fracasso. Ele argumenta que alguns aspectos da religião islâmica, como o véu, são evidentes. Entretanto, no geral, é complicado identificar muçulmanos em um aeroporto justamente porque não tem como assegurar que um cidadão, simplesmente por ter nascido em um determinado país, seja muçulmano.
Ademais, o doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) sublinha que os atentados costumam ser cometidos por pessoas que já estão no país e não conseguiram se adaptar. “É o tipo de postura que tenta jogar para fora uma solução que deveria ser jogada para dentro. Faltam políticas públicas de integração”, salienta Danillo Alarcon.
Por que as restrições de Trump não atingem a Arábia Saudita?
A Arábia Saudita é frequentemente acusada de apoiar grupos terroristas sunitas. O reino financia o wahhabismo — uma ramifacação ultraconservadora do islamismo sunita — mundo afora por meio de mesquitas e madraças. O autoproclamado Estado Islâmico compartilha dessa mesma ideologia ao evocar o seu fundador, o erudito al-Wahhab, para justificar suas atrocidades.
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, também conhecido pelo acrônimo MBS, anunciou recentemente a sua intenção de trazer o islamismo moderado de volta para o País. Outros atos de MBS também têm chamado a atenção ultimamente, como a prisão de membros da família real e do governo sob alegações de corrupção e o fato de ter influenciado a renúncia de Saad Hariri ao cargo de primeiro-ministro do Líbano por meio de um pronunciamento feito pelo político libanês durante viagem à Arábia Saudita.
As prisões são encaradas como perseguição a adversários políticos. No caso de Hariri, as razões extrapolam as fronteiras. O Líbano é étnica e religiosamente diversificado. A fim de contemplar esta pluralidade, o primeiro-ministro, por consenso, deve ser muçulmano sunita. O presidente, cristão. E o chefe do Parlamento, muçulmano xiita.
Danillo Alarcon entende que as disputas pela hegemonia regional do Oriente Médio podem ser entendidas como uma espécie de Guerra Fria. De um lado, os sauditas, representando os sunitas. Do outro, os iranianos, representando os xiitas. “O Irã apoia o governo sírio e, no Líbano, a milícia xiita Hezbollah. Com isso, a Arábia Saudita apoia grupos contrários.”
Israel
Como se a situação já não fosse complexa o suficiente, há um outro componente importante nesta questão geopolítica: o Estado de Israel.
O Irã e o Hezbollah são, possivelmente, os dois principais inimigos de Israel no Oriente Médio. Dessa forma, o governo israelense tende a ficar ao lado da Arábia Saudita no que concerce à situação no Líbano objetivando combater o Crescente Xiita, termo utilizado para designar o temor da expansão da influência iraniana por parte das nações sunitas.
Com isso, pode ser formada uma aliança entre Arábia Saudita, Israel e, por fim, Estados Unidos. Devido a interesses econômicos, mais especificamente no tocante ao petróleo, o governo estadunidense enxerga na Arábia Saudita um grande parceiro, apesar das acusações mencionadas anteriormente. Em virtude disso — e da oposição ao Irã —, é estrategicamente irracional por parte de Trump incluir os sauditas em sua lista de restrições. Muito pelo contrário. Em um outro tweet, o presidente dos Estados Unidos expressou ter plena confiança nas políticas do príncipe herdeiro
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